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Público 12 03 2020
Começo este texto com uma declaração
de interesses:
o sonho não é devidamente valorizado.
Nos últimos anos, o sonho tem sido
absorvido pela crença, pelo acreditar. Apesar de não muito distantes, estas
duas realidades têm funções diferentes e acontecem por razões díspares. Já não
se fala em sonhos. Se prestarmos atenção, ouvimos governantes a afirmar que
acreditam ser possível isto e aquilo, mas nunca que têm o sonho de ver
determinada coisa concretizada. O sonho é subvalorizado, talvez porque lhe seja
atribuída uma conotação romântica ou bucólica, ou porque o assumimos como um
elemento distante do mundo real.
Olhamos para o sonho como quem olha
para as estrelas: num primeiro momento achamo-las distantes, inalcançáveis e
inexplicáveis, mas depois percebemos que não. As estrelas estão ali, algures no
universo, são reais, ou seja, o sol há muito que deixou de ser uma luz
inexplicável para se tornar em algo concreto, que conhecemos e estudamos. Com o
sonho, a realidade não é diferente, pode parecer que, por momentos, aquilo que
sonhamos é uma abstracção do mundo material, uma idealização mágica de algo que
não nos é possível alcançar. No entanto, esta descrição é mais justa ser feita
à crença do que ao sonho, porque nunca vamos conseguir tocar na crença,
racionalizá-la ou materializá-la.
“Álvaro Cunhal, referia-se ao sonho como 'a primeira
manifestação de uma vontade de transformação social', na senda de um sonho
relativo à sociedade. Ora, se o sonho é o ponto de partida para a transformação
da vida, não nos podemos dar ao luxo de deixar de sonhar.”
Foi a partir do sonho que a
humanidade foi traçando o seu caminho, desafiando probabilidades e obstáculos
que só foram possíveis transpor porque sonhámos com o que poderíamos encontrar
do outro lado, não nos tendo sobrado outra opção que não a de dar o salto em
frente. No entanto, não somos muito encorajados a sonhar, não aprendemos desde
novos que o sonho é a condição essencial à vida, mas somos ensinados desde o
berço a abraçar a crença como o remédio para os nossos males. Na minha opinião,
o sonho implica mudança.
Álvaro Cunhal, referia-se ao sonho
como “a primeira manifestação de uma vontade de transformação social”, na senda
de um sonho relativo à sociedade. Ora, se o sonho é o ponto de partida para a
transformação da vida, não nos podemos dar ao luxo de deixar de sonhar.
Já
aqui escrevi sobre o direito que temos ao tempo, mas não será menos
importante dizer que temos o direito ao sonho. Não apenas ao sonho de algo
possível, mas também do impossível, sonhar com o improvável, desafiando a ordem
do mundo e das coisas. O sonho é a vida a estrebuchar dentro de nós, com a
vontade de irromper pelo mundo e transformá-lo. Todos nós temos sonhos, o
segredo deve estar na força com que os sentimos e a vontade que temos de os
concretizar. Mas a vida não é coisa simples, os sonhos são condicionados pelas
condições em que viemos, pelo nosso meio, a própria vida condiciona o sonho.
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