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quinta-feira, 21 de maio de 2020

O Partido e os intelectuais nos anos 40 - O caso Bento de Jesus Caraça por Manuel Gusmão


O Partido e os intelectuais nos anos 40 - O caso Bento de Jesus Caraça

A reorganização do PCP e os seus III e IV Congressos (o I e o II ilegais), realizados respetivamente em 1943 e 1946, marcam a história de Portugal nos anos 40. No prefácio (de 1997) ao Informe Político do Comité Central ao IV Congresso do PCP, Álvaro Cunhal escreve: «A grande maioria dos quadros de direcção que se formaram nos anos da reorganização vinha da classe operária e revelava-se e forjava-se na intervenção directa e destacada em lutas de massas. 


domingo, 26 de abril de 2020

O outro confinamento


Opinião
Confinamento social, confinamento político: realidades a não confundir

No próximo dia 25 de Abril vou quebrar o confinamento social em que me encontro desde 18 de Março para estar presente na Assembleia da República por uma questão de dever, por respeito pela memória de tantas vidas sacrificadas, mas também porque é preciso dizer aos saudosistas do passado que não passarão.

Público 25 de Abril de 2020
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O “confinamento social” repentina e inesperadamente passou a marcar o modo do viver quotidiano de grande número de portugueses e consequentemente motivo de notícias, de debates, de diversas análises. O “confinamento social”, ainda que a palavra social definidora da natureza do confinamento seja não poucas vezes suprimida, ocupa tal dimensão que parece ter-se tornado o grande problema do país e o maior dos dramas dos cidadãos.
Não se subestimam as perturbações que a situação provoca a vários níveis na vida, em particular nos idosos há muito confinados pela vida difícil e as políticas de estigmatização da própria velhice. De qualquer modo, convirá não esquecer que não há confinamento em geral, que os seus efeitos são diferenciados conforme a origem social que determina a qualidade das habitações e até a sua ausência, os equipamentos de lazer e de acesso à informação, isto é, a sua ligação à vida e ao mundo.
Para os que nasceram depois do 25 de Abril, para quem a liberdade é tão natural como respirar, a situação de confinamento social é uma grilheta dolorosa, mas qualquer semelhança com o confinamento e isolamento a que foram sujeitos dezenas de milhares de antifascistas presos é um absurdo, quer no plano do quotidiano quer no plano humano, desde logo porque os objectivos policiais eram abalar as convicções dos presos, a sua destruição.
Uso as palavras confinamento e isolamento porque, embora inseparáveis, as suas consequências eram diversas. As prisões eram espaços confinados mas eram-no muito mais o espaço, por vezes minúsculo, em que viviam os presos, além da quase ausência de equipamentos, da privação de acesso à informação e da permanente devassa da vida pessoal e até afectiva.
Dos cerca de onze anos passados nas cadeias do Aljube, Caxias e Peniche, nove desses anos passei-os em Peniche em regime celular de isolamento de mais de vinte horas diárias, num espaço de dois por três metros com uma janelas de vidros foscos, onde obviamente não havia televisão nem telemóvel e não poucas vezes se era privado de livros e jornais, e em que as refeições, momento de encontro dos presos do mesmo piso, decorriam em rigoroso silêncio, e o viver do dia-a-dia, segundo as normas, era a sua sujeição a vigilância constante. A isto, os carcereiros chamavam de regime normal que se se seguia ao período de interrogatórios e isolamento total, forma de tortura complementar das torturas físicas, uma forma de tortura, para muitos presos, a mais brutal e destruidora forma de tortura pelos efeitos no estado psíquico.
Cada preso teve a sua experiência própria e enfrentou essa realidade de modo diferenciado. Os períodos de isolamento total, no meu caso, resumem-se a cinco meses nos “curros” do Aljube, um mês numa cela de Caxias e outro mês numa cela de Peniche, e dez dias no segredo de Caxias. Nenhuma das experiências foi igual. Falar dos meses nos “curros” do Aljube é falar de se estar num buraco de cerca de um metro por dois, sem mobilidade, na obscuridade, sem meios de escrita ou de leitura, sem relógio, sem visitas ou conhecimento do que passa no exterior e de perda da própria noção do escoar do tempo. Não era pouco perturbante o estar-se à espera de se ir para os interrogatórios ou regressar num estado lastimoso para sarar feridas em condições de isolamento.
Quando refiro as três experiências diferentes é porque não havia isolamento em geral. É que estar isolado sem escrita, sem livros, sem visitas, em celas com luz, sobretudo quando se passava pelo segredo de Caxias, as celas transformavam-se quase num paraíso. O segredo era um buraco subterrâneo, sem qualquer réstia de luz, com um minúsculo respirador, sem cama, onde não chegavam sons e as movimentações se faziam às apalpadelas. A sensação era de que se tinha sido enterrado vivo. E no entanto, porque era proibido cantar, era preciso desafiar a prepotência dos carcereiros cantando.
No peso do isolamento não era indiferente a idade e a vida familiar, sobretudo quando se era preso com a companheira e nada se sabia do que se está a passar com o outro. No meu caso, a minha companheira só soube que também estava preso dois meses e meio depois. Vencer o isolamento exigia uma grande mobilização de energias, recriar mentalmente a vida exterior, pensar que lá fora a luta continuava e era preciso mostrar que a firmeza das convicções era superior à violência policial.
O isolamento, as torturas não eram só sofrimento. Eram uma luta para vencer a polícia, uma afirmação de dignidade, de confiança nos ideais. A derrota da polícia igualmente uma fonte de alegria e de bem-estar espiritual.
O 25 de Abril pôs fim a estes tempos negros. No próximo dia 25 de Abril vou quebrar o confinamento social em que me encontro desde 18 de Março para estar presente na Assembleia da República por uma questão de dever, por respeito pela memória de tantas vidas sacrificadas, mas também porque é preciso dizer aos saudosistas do passado que não passarão.

terça-feira, 14 de abril de 2020

EM 1991, COM 70 ANOS, NUM MOMENTO HISTÓRICO


foi exactamente assim... embora talvez não tivesse sido exactamente com estas palavras:

No período de Natal de 1991 estávamos, a Zé e eu, em Macau. Era ainda um novato no Parlamento Europeu – tinha sido requisitado pelo Partido para a tarefa havia pouco mais de um ano –, mas não tanto que não tivesse já alguma experiência.
Estávamos em casa cedida amigavelmente por casal amigo que, como os alcatruzes da nora, viera a Lisboa passar o Natal em família. Visitávamos outros amigos que viviam em Macau, alguns ligados à comunicação social, e a minha presença – e situação deputada – não era desconhecida.
Não me surpreendeu, por isso, que no próprio dia de Natal, em que estávamos convidados para consoada em casa amiga, me tivessem telefonado, da televisão local, pedindo-me para ir ao estúdio durante a hora de noticiário.
Avisámos os amigos da minha inevitável chegada mais tardia ao convívio, e lá fui.
Pensava que iria ter perguntas e conversa sobre a tarefa de deputado, sobre a política em Portugal, sobre o que fosse…
Fui amavelmente recebido e fui levado ao estúdio. No começo do telejornal. Então, o que era? Havia notícias de Moscovo, e pediam-me – apresentado como comunista português, deputado em Bruxelas – para comentar.
Gorbatchov demitira-se de secretário-geral do PCUS, extinguira a União Soviética. Que é que eu dizia das notícias?
Apanhado desprevenido, lá tartamudeei uma resposta, mas o motivo porque teria sido convidado, embora fosse esse, não era bem esse: ”… então, e agora?… o Partido Comunista Português, senhor deputado?”.
Como nos momentos de exacerbada tensão, aqueles em que se pede tudo de nós, recuperei uma inusitada calma e frieza e respondi “o que está a acontecer na União Soviética e no Partido Comunista da União Soviética é de enormíssima importância para a União Soviética, para o Mundo, para o Futuro, pelo que é também para o Partido Comunista Português mas… mas o Partido Comunista Português é português, tem 70 anos e não é, nem nunca foi, uma dependência do Partido da União Soviética, e terá a sua resposta à situação, que, como é evidente, não conheço ainda, mas terá…”
Acabou a minha intervenção, acabou o noticiário, fui consoar. Ia muito preocupado, mas satisfeito com a forma como encarara a situação e como respondera (o que nem sempre acontece, e muitas vezes não tem acontecido).

domingo, 22 de março de 2020

Saudação não-dita em jantar não-realizado

Saudação não-dita em jantar-convívio (não-realizado) dos 99 anos do PCP e do começo, em Ourém, da assinalação do Centenário, transformada em mensagem... e sinal muito preocupante do tempo que estamos a viver e do que vem aí :


Caros Camaradas,
Tínhamos agendado para hoje o jantar de comemoração do aniversário do nosso Partido, de assinalação do Centenário e de convívio com amigos. As condições emergentes – de declarada emergência nacional – impedem-nos de concretizar esse acto político e de confraternização.
Pessoalmente, tinha a intenção de vos dirigir algumas palavras sobre as razões do encontro e o momento político que se vive. 
Antes de mais, queria saudar-vos por podermos encontrar-nos e reafirmar a convicção e disposição de lutar pela transformação da sociedade no sentido da valorização do trabalho e dos trabalhadores e de combate às desigualdades sociais que se agravam, e mais se agravarão com o rumo que procuram impor a Portugal, a pretexto de tudo e não recuando perante nada.
Não se nega a gravidade do problema sanitário que ocorre. Mas tenhamos o discernimento e o dever de nos informarmos e de ser portadores de informação, mostrando que os problemas do ser humano (todos os problemas que a Humanidade confronta) podem ser encarados 
ou com a intenção de privilegiar o social, o colectivo 
ou com a procura de oportunidades para beneficiar interesses privados, egoístas, quaisquer as consequências sociais. 
O Serviço Nacional de Saúde, tão atacado mostra-se indispensável e de necessário reforço. A nível internacional, a China e Cuba têm sido verdadeiros exemplos da diferença. Quase amordaçados, mas tão fortes que se tornam evidentes.
É difícil o tempo que se vive. O momento é de enorme gravidade.
Mas dele pode sair-se mais esclarecido e a lutar por um mundo melhor... ou ver-nos-emos a defrontar condições mais desumanas, nomeadamente com relações laborais mais negativas, ainda mais desiguais socialmente, adiando o Futuro.
Depende de todos nós. A nossa luta parece-me cada vez mais difícil, por isso mais necessário o nosso esforço, ao lado de outros como nós, que temos de informar, de esclarecer e, para isso, temos de nos informar, de nos esclarecer. Contra uma máquina montada e poderosíssima para desinformar, para manipular. Os nossos encontros são cada vez mais necessários e estão a ser dificultados, com razões e aproveitamentos de razões. 
Temos de encontrar maneiras de ultrapassar essas e outras dificuldades.
Estamos em Primavera. Aproveitemo-la!
                                                A camaradagem e a amizade do
                                                                                               Sérgio      

sábado, 21 de março de 2020

Vozes de hoje


Ler no Público 12 03 2020

Começo este texto com uma declaração de interesses:
o sonho não é devidamente valorizado.

Nos últimos anos, o sonho tem sido absorvido pela crença, pelo acreditar. Apesar de não muito distantes, estas duas realidades têm funções diferentes e acontecem por razões díspares. Já não se fala em sonhos. Se prestarmos atenção, ouvimos governantes a afirmar que acreditam ser possível isto e aquilo, mas nunca que têm o sonho de ver determinada coisa concretizada. O sonho é subvalorizado, talvez porque lhe seja atribuída uma conotação romântica ou bucólica, ou porque o assumimos como um elemento distante do mundo real.

Olhamos para o sonho como quem olha para as estrelas: num primeiro momento achamo-las distantes, inalcançáveis e inexplicáveis, mas depois percebemos que não. As estrelas estão ali, algures no universo, são reais, ou seja, o sol há muito que deixou de ser uma luz inexplicável para se tornar em algo concreto, que conhecemos e estudamos. Com o sonho, a realidade não é diferente, pode parecer que, por momentos, aquilo que sonhamos é uma abstracção do mundo material, uma idealização mágica de algo que não nos é possível alcançar. No entanto, esta descrição é mais justa ser feita à crença do que ao sonho, porque nunca vamos conseguir tocar na crença, racionalizá-la ou materializá-la.
 
“Álvaro Cunhal, referia-se ao sonho como 'a primeira manifestação de uma vontade de transformação social', na senda de um sonho relativo à sociedade. Ora, se o sonho é o ponto de partida para a transformação da vida, não nos podemos dar ao luxo de deixar de sonhar.”

Foi a partir do sonho que a humanidade foi traçando o seu caminho, desafiando probabilidades e obstáculos que só foram possíveis transpor porque sonhámos com o que poderíamos encontrar do outro lado, não nos tendo sobrado outra opção que não a de dar o salto em frente. No entanto, não somos muito encorajados a sonhar, não aprendemos desde novos que o sonho é a condição essencial à vida, mas somos ensinados desde o berço a abraçar a crença como o remédio para os nossos males. Na minha opinião, o sonho implica mudança.
Álvaro Cunhal, referia-se ao sonho como “a primeira manifestação de uma vontade de transformação social”, na senda de um sonho relativo à sociedade. Ora, se o sonho é o ponto de partida para a transformação da vida, não nos podemos dar ao luxo de deixar de sonhar.

Já aqui escrevi sobre o direito que temos ao tempo, mas não será menos importante dizer que temos o direito ao sonho. Não apenas ao sonho de algo possível, mas também do impossível, sonhar com o improvável, desafiando a ordem do mundo e das coisas. O sonho é a vida a estrebuchar dentro de nós, com a vontade de irromper pelo mundo e transformá-lo. Todos nós temos sonhos, o segredo deve estar na força com que os sentimos e a vontade que temos de os concretizar. Mas a vida não é coisa simples, os sonhos são condicionados pelas condições em que viemos, pelo nosso meio, a própria vida condiciona o sonho.



terça-feira, 10 de março de 2020

Pode um partido com 99 anos ser jovem?





O futuro tem Partido... porque este foi parido


do meu quase-diário:

10.03.2020

O Partido (é preciso acrescentar alguma coisa?, não é!, mas aí vai... redundantemente:), o Partido Comunista Português está a viver os primeiros dias do seu centésimo ano da existência.

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E, já que estou em maré de redundâncias, acrescentaria que vivo este centenário nos meus 63 anos de ser este partido, porque tomei Partido em 1958.

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Não se trata de estatística aniversariante, embora os números (quer os do Partido, quer os pessoais) não sejam nada despiciendos…

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Em 1921, um grupo de sindicalistas, isto é, de trabalhadores que tinham em sua consciência decidido organizar-se em (ou participar em) associações que afirmavam e defendiam os seus direitos de trabalhadores, resolveram dar mais um passo…

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(… vá camaradas, mais um passo/já uma estrela se levanta…)

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E, a 6 de Abril de 1921, reuniram-se na Associação dos Empregados de Escritório e fundaram o Partido Comunista Português ao elegerem os seus “corpos administrativos”; a iniciativa da sessão foi de uma “comissão elaboradora das bases”, que tencionava também realizar uma sessão de propaganda, que não se realizou por não ter sido deferida pelo governador civil devido a este estar demissionário… e “o comandante da polícia não querer tomar a responsabilidade”.

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Pelo que se pode dizer que não foi um parto sem dor, mas também não nasceu de geração espontânea.

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A História pode ter várias leituras, e nesses anos que vinham do final da guerra (da 1ª guerra mundial… que foi europeia), de 1917 da vitoriosa revolução soviética (que também não foi de geração espontânea…como não o foram as vizinhas aparições visões da Cova da Iria), a leitura da História que faziam os fundadores do Partido era – embora nem todos (ou só alguns) soubessem ler (ou lessem)- era a leitura que da História faziam Marx, Lenine e outros.

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Era a de que, no seu tempo histórico, o valor se criava pelo trabalho (pelos trabalhadores), que eram desapropriados resultado do seu labor pelos proprietários dos meios de produção ("ferramenta" de que tinham sido igualmente desapropriados os trabalhadores), e os proprietários dos meios de produção apenas compensavam os trabalhadores do que tinham sido desapropriados com o pagamento de horas de utilização da mercadorizada força de trabalho (dos trabalhadores) quanto lhes permitisse continuar a produzir e a distribuir o produzido.

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Tempo histórico que ainda é o que vivemos, sempre escamoteados os seus caboucos, sempre com os sindicatos e partidos de classe lutando contra a sua configuração, lutando contra essa desumana relação social base de tudo, lutando para transformar o mundo (preservando a natureza de que todos somos parte).

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Denunciando, esclarecendo, mobilizando.

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Como o Partido o faz há 99 anos, e nestes dias do seu centenário.

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Centenário do PCP: Apresentação do Programa de Comemorações

https://youtu.be/NbcBtmtaPoQ