Neste tema temos vindo a colocar em GALERIA figuras marcantes de intelectuais que militaram no Partido. Cabem aqui algumas palavras de enquadramento, como as que seguem, bem como a Declaração do Encontro Nacional realizado em Junho de 1996, que aqui se publica, na íntegra:
"o PCP, cuja identidade histórica, socio-política e Cultural, passa justamente também pela integração de intelectuais, precisa da elevação do contributo dos seus intelectuais, enquanto intelectuais, para a construção colectiva das suas respostas aos problemas do país, para a configuração do seu projecto de esquerda e de alternativa democrática e revolucionária. O Partido, todos nós, precisamos de elevar e agilizar as nossas formas de trabalho com os intelectuais comunistas e com todos aqueles outros que estão ou podem vir a estar connosco, ou a convergir connosco."
Extracto da intervenção de Carlos Carvalhas3ª Assembleia do Sector Intelectual de Lisboa, do PCPMaio de 1998
Declaração do Encontro Nacional do PCP «Os Intelectuais e a Sociedade - O Partido e os Intelectuais»
1 Junho 1996
Muitos e muitos intelectuais tiveram um papel relevante na elaboração
da teoria revolucionária, assim como desde o seu início, e ao longo da
sua história, acidentada e não linear, o movimento operário sempre
integrou a intelectualidade revolucionária.
Tal integração correspondia a uma aliança social fundamental cuja
necessidade histórica já Marx observava e que Lenine virá a desenvolver.
Em tempos em que os intelectuais constituiam ainda uma elite social
muito restrita, essa aliança exprimia um processo então nascente nas
sociedades capitalistas, que antecipava e permitia ao marxismo projectar
um horizonte histórico de emancipação e integração de todas as formas
do trabalho. Por outro lado, essa integração representava um processo de
afirmação da autonomia relativa do trabalho intelectual; uma
demonstração da possibilidade da independência político-ideológica de
alguns intelectuais em relação às suas origens e situação de classe; e
configurava uma tradição de pensamento e acção de esquerda.
Hoje, a evolução das sociedades gerou uma nova condição social dos
intelectuais, marcada por determinados traços: um aumento numérico em
termos absolutos e relativos dos intelectuais; a diversificação das suas
profissões, uma tendência longa para o assalariamento crescente que,
por vezes, se entrelaça com formas mistas de assalariamento e de
trabalho por conta própria, individual ou em associação; a sua
concentração em grandes pólos, empresas, instituições e sectores de
actividade, fenómenos de integração colectiva da sua actividade,
configurando formas de um "intelectual colectivo"; e, designadamente em
Portugal, onde esta evolução é ainda recente, um peso relativamente
grande de jovens no conjunto desta camada. Estes traços de crescimento
são acompanhados por um processo de diferenciação interna, do ponto de
vista de classe, quanto às condições de trabalho, ao estatuto
remuneratório, e à distribuição desigual das funções de concepção,
direcção e execução.
Assiste-se, assim, a um fenómeno de crescente proletarização de parte significativa da intelectualidade.
A requalificação e especialização de certas funções arrasta a
desqualificação da maioria que se vê afastada das tarefas da concepção,
restando-lhe a execução e a aplicação de medidas e ideias que outros
conceberam. Este afastamento, para além de distinguir entre uns e
outros, é também um afastamento no tempo e no espaço: as ideias são
produzidas num espaço diverso e num tempo anterior àquelas em que vão
ser aplicadas. Este processo aproxima, também, a maioria da
intelectualidade da situação em que vivem os demais trabalhadores.
Ao mesmo tempo, pode dizer-se que a tradicional "função intelectual"
na formação e intermediação de ideias, não coincide integralmente com os
indivíduos que são trabalhadores intelectuais. Por um lado, porque só é
visivelmente protagonizada por alguns e, por outro, porque é exercida
por outros indivíduos que, nessa esfera actuam, não propriamente
enquanto intelectuais.
Esta nova e complexa condição intelectual traz consigo, mesmo que de
forma contraditória, a possibilidade crescente de convergência entre a
situação, a acção e a luta de um conjunto massivo de trabalhadores
intelectuais e a luta da classe operária e de todos os outros
trabalhadores. É esta possibilidade de convergência que leva o PCP a
formular no seu programa a aliança entre a classe operária, os
intelectuais e demais camadas intermédias, como uma das duas alianças
sociais básicas, para a formação de um bloco social capaz de assumir,
sustentar e realizar o projecto de uma profunda transformação
democrática da sociedade portuguesa. A isto acresce que os intelectuais
desempenham funções irrecusavelmente importantes em sectores de
actividade, que lidam com grandes necessidades sociais e nacionais - da
produção ao ensino e à educação, à saúde, à ciência, à administração da
justiça e à comunicação -, sectores dos quais depende em larga medida o
processo de desenvolvimento social multilateral do país.
2 - A condição intelectual na complexa situação actual
Entretanto, alguns dos traços desta nova condição social dos
intelectuais, assim como outros fenómenos da situação contemporânea,
comportam também obstáculos à concretização daquela aliança, que não
deixa, contudo, de ser uma possibilidade inscrita no actual estado de
coisas, e uma necessidade do movimento real da sua superação.
Hoje, as condições sociais do trabalho intelectual, no quadro das
mutações do país e do mundo contemporâneo, apresentam um conjunto
complexo de características que podemos enunciar, sem prejuízo de uma
investigação necessariamente mais participada e profunda.
Agravam-se as condições de trabalho de inúmeros trabalhadores
intelectuais; há hoje, de forma mais nítida, problemas de emprego,
desemprego e falta de emprego ou de saídas profissionais para os jovens
licenciados e quadros.
Fruto da persistente orientação política neo-liberal, que tende a
desresponsabilizar o Estado das suas funções sociais e culturais, há um
grande défice de investimento nas áreas que se caracterizam, ao mesmo
tempo, por ocuparem muitos intelectuais entre os seus trabalhadores, e
por corresponderem à satisfação de necessidades e direitos da população
em geral.
Persiste uma prática governativa que, no mínimo, restringe fortemente
o direito à participação das organizações de trabalhadores na definição
das políticas para os seus sectores de actividade.
Tendo percebido a importância da influência entre os intelectuais, e
jogando sobre a própria diferenciação social da camada, as forças
políticas conservadoras e social-democratas e os seus governos procedem,
por um lado, à sua arregimentação política e partidária e, por outro
lado, à entrega ao critério do lucro e às regras económicas e
ideológicas do mercado capitalista do papel de regulador fundamental das
várias esferas da cultura.
Estes traços da situação actual constituem uma perigosa tentativa de
compressão da autonomia relativa do trabalho intelectual, que limita a
sua eficácia social e converge com a tentativa de reduzir o leque das
possibilidades de escolha entre modelos conflituais de desenvolvimento.
A evolução recente do mundo contemporâneo gera em largos sectores uma
compreensível perplexidade, ao mesmo tempo que suscita reservas e
resistências que, sem se traduzirem ainda numa resposta política clara
ou numa acção política convergente, são entretanto sintomas de uma
mobilidade dos campos sociais em confronto e de possíveis mudanças,
assim como constituem um terreno aberto à imprescindível intervenção dos
comunistas.
O acantonamento em fortes especializações disciplinares pode
constituir um factor das dificuldades de compreensão e da perplexidade
referida. O intervalo entre as percepções parcelares tende por outro
lado a ser ilusoriamente preenchido pelo peso crescente dos grandes
aparelhos de comunicação e pela velocidade acrescida dos fluxos de
informação. Acontece que os media audiovisuais, como a televisão, tendem
a produzir "efeitos de mosaico", ao mesmo tempo que a falta aparente de
conexão entre os acontecimentos é suprida pela produção explícita ou
quase subliminar de uma ideologia dominante que aparece por vezes sob a
forma de "um pensamento único". Um pensamento que visa, designadamente, a
"imposição de consensos", sem efectiva negociação, e a "fabricação do
consentimento" naquilo que tende a ser sempre apresentado como fatal ou
inevitável; uma espécie de fim ou de paragem da história no quadro
capitalista de organização social do viver. A imposição deste tipo de
pensamento pode conjugar formas tradicionais de censura a partir de
cima, de silenciamento premeditado, com formas de auto-censura e de
doutrinação difusa.
Acentuam-se formas de redução da esfera do político, que se traduzem
na argumentação de que as grandes questões a decidir teriam a ver apenas
com uma diferença de opções técnicas, tendo por base um suposto
consenso político, e na "disputa do centro político e eleitoral" pelas
várias formações políticas burguesas. Ao mesmo tempo, a
espectacularização da política conduz a uma sua aparente autonomização,
em relação à sua dimensão de representação dos diferentes interesses
sociais, o que só favorece a possibilidade da rotação dos executantes de
uma mesma orientação dominante, a do grande capital nacional e
transnacional. Estes vários fenómenos convergem numa ameaçadora redução
do leque das opções e escolhas possíveis, e tendem a dificultar a
configuração e a visibilidade das alternativas.
3 - Uma tradição de esquerda, consequente e renovada
Muitos daqueles que na década de 80 anunciavam o fim das ideologias e
das diferenças entre esquerda e direita, voltam agora a falar em nome
da esquerda. Este facto representa frequentemente uma tentativa de
hegemonizar as mutações que ocorrem no sentido da resistência e do
protesto contra as facetas mais gravosas do capitalismo e do
imperialismo na sua forma contemporânea. É entretanto claro que podemos
estar a viver um processo de crescimento da consciência de que a
esquerda é necessária como alternativa ao actual curso do mundo.
O pensamento e a acção de esquerda constituem uma tradição
ético-política, ideológica e cultural, certamente heterogénea; uma
herança que não se pode receber passivamente.
A esquerda que representamos está sempre em construção, resulta de um
processo de apropriação crítica do Iluminismo e dos ideais da Revolução
Francesa, do assalto aos céus que foi a Comuna de Paris, da Revolução
Socialista de Outubro, do projecto e do início da construção histórica
de sociedades que visavam a abolição da exploração e a soberania
popular. Resulta da experiência adquirida pelos trabalhadores e pelos
povos, das suas conquistas, bem como dos seus erros e fracassos. Implica
sempre a determinação e integração de novas necessidades, direitos e
aspirações que vão historicamente surgindo.
A esquerda a que pertencemos, configurada pelo marxismo-leninismo e
pelo projecto comunista, não tem de abrir mão dessas fontes, antes as
projecta, na assumpção de um ponto de vista de classe, de um compromisso
inalienável em favor dos explorados, dos oprimidos e humilhados, na
ligação orgânica ao movimento operário, na unidade entre liberdade e
igualdade, democracia e justiça.
O nosso é um projecto que não reduz a democracia à sua dimensão
política, que defende a democracia representativa, mas não reduz a
democracia política à representação. É um projecto de inteira e efectiva
cidadania que compreende que a cidadania dos trabalhadores passa de
forma idissolúvel pela sua cidadania enquanto trabalhadores, pelo
reconhecimento jurídico e prático dos direitos do trabalho como direitos
fundamentais. Que defende as conquistas sociais e culturais do
movimento operário, revolucionário e democrático, enquanto aquisições
que definem um patamar civilizacional, em relação ao qual uma eventual
regressão nos aproximaria de novas formas de barbárie. É um projecto de
luta pela possibilidade de novos avanços civilizacionais, pela
consagração e efectivação de novas aspirações e direitos, -
possibilidade já hoje inscrita como real, graças à revolução científica e
técnica, e à elevada qualificação e produtividade do trabalho humano.
Defrontamos hoje novas formas de objectivismo, uma brutal redução
economicista da racionalidade humana à obediência à lógica da exploração
capitalista. A esquerda que somos não abdica da concepção de que,
produzindo os homens o seu viver em determinadas condições históricas,
existe entretanto a possibilidade de actuar na transformação dessas
condições. Trata-se de uma possibilidade humana que radica na dimensão
transformadora do trabalho social, e funda a própria historicidade dos
humanos.
4 - O PCP, os intelectuais, e a transformação do mundo e da vida
O trabalho intelectual, em concreto, incorpora, mobiliza e faz
frutificar um vector de liberdade e de criatividade, que se manifesta,
por exemplo, na crítica, na descoberta e na invenção. Essa liberdade e
criatividade revelam-se fundamentalmente na maneira como o trabalho
intelectual projecta e elabora os leques de possíveis que, apesar de
materialmente fundados, abrem caminhos de negação e, no limite, de
inovação. Caminhos que transcendem a simples variação reprodutiva do
existente e dos quadros que estruturalmente o determinam. Por aqui
passa, também, a possibilidade de transformar o mundo e a vida.
São muitas e diferenciadas as razões, os motivos e as referências
sociais, políticas, ideológicas, intelectuais, éticas, efectivas e
biográficas que permitem compreender a integração histórica persistente
de intelectuais no PCP, no partido político da classe operária e de
todos os trabalhadores. Uma dessas razões vem de que os intelectuais
comunistas estabelecem uma relação de convergência entre a dimensão
tendencialmente crítica e criadora do seu trabalho e o projecto
comunista de revolucionamento do mundo e da vida. Os intelectuais
comunistas descortinam o vínculo entre a sua emancipação, a emancipação
do trabalho intelectual, e a emancipação geral dos trabalhadores e dos
povos.
Pela natureza do seu trabalho, pela importância dos sectores em que o
exercem, pela sua capacidade de assumirem uma responsabilidade
solidária quanto à eficácia social do seu trabalho, os trabalhadores
intelectuais têm um papel, não exclusivo, mas imprescindível, na
elaboração de respostas, de caminhos, de um projecto alternativo para o
desenvolvimento do país, no sentido da construção de uma democracia
política, económica, social e cultural.
Para a melhoria das condições de trabalho dos intelectuais
portugueses, para a protecção da autonomia relativa do seu trabalho, é
necessário o reforço do PCP. Para a elevação da sua participação na
tomada das decisões políticas, e da eficácia social do seu trabalho é
necessário o reforço do PCP, o reforço do diálogo e da acção do PCP com
os intelectuais, da intervenção e influência do PCP na intelectualidade.
O reforço da presença do PCP entre os intelectuais em geral não é
alternativo ao seu reforço entre a classe operária e entre todos os
outros trabalhadores, não é alternativo à manutenção da sua identidade
de raizes operárias. Antes pelo contrário, o aumento da sua capacidade
de diálogo e de influência entre os intelectuais é indissolúvel do
aumento da sua influência na classe operária, e entre todos os outros
trabalhadores, é indissociável do aumento da sua influência política
nacional.
Para que este aumento seja possível, o PCP, cuja identidade
histórica, sócio-política e cultural, passa justamente também pela
integração de intelectuais, precisa da elevação do contributo dos seus
intelectuais, enquanto intelectuais, para a construção colectiva das
suas respostas aos problemas do país, para a configuração do seu
projecto de esquerda e de alternativa democrática e revolucionária. O
Partido, todos nós, precisamos de elevar e agilizar as nossas formas de
trabalho com os intelectuais comunistas e com todos aqueles outros que
estão ou podem vir a estar connosco, ou a convergir connosco.
Não somos um partido de propagandistas ou de pregadores, somos um
Partido que organiza e ajuda a organizar, um Partido que trabalha, que
luta e projecta uma sociedade mais livre, mais justa e mais fraterna, o
socialismo. Um Partido que transporta consigo um inquebrantável e
renovado compromisso de luta por grandes causas, que vêm de muito longe
na história, que se reconfiguram e confluem com novas aspirações.
Lutamos pela liberdade e contra as formas da sua denegação prática,
por uma democracia radicalmente multiforme, contra a distorção da
proporcionalidade da representação e contra a expropriação da
participação.
Lutamos, por uma cidadania inteira, contra a depreciação do trabalho
humano, a exclusão social, a produção de novos "escravos", o racismo e a
xenofobia. Lutamos pela igualdade de homens e mulheres, pelo
desenvolvimento integral dos indivíduos.
Lutamos por uma relação equilibrada e harmoniosa com o planeta que habitamos.
Estas causas são seguramente partilhadas e partilháveis por muitos
outros. Através delas configura-se um projecto de humanização histórica
dos humanos que nós somos.
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