100 anos de militância a caminho do futuro

1921-2021

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Eram em Caxias, 30 homens encarcerados... 1º de Maio de 1964

extrato de um quase-diário:

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados (agarra-me a lengalenga do Jorge Amado Eram em Santos, três soldados baioneta calada… dos Subterrâneos da Liberdade). 

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, a maioria vindos do caso de Beja, de uma “matança de porco” frustrada, acto para herós-de-um-dia que matou esperanças e destruiu vidas, sofridas torturas e maus-tratos, revolucionários de um acto, de uma decisão, de uma heroicidade de tudo jogar numa cartada, acusando os que não os acompanharam, os revolucionários por exigência de consciência arreigada, e não de revolução já ou agora-ou-nunca. 

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, uns doutores, outros engenheiros, outros operários, outros camponeses, alguns analfabetos a aprenderem, ali, o á-bê-cê de ler e escrever.

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, alguns a quererem continuar a ser O Partido, nenhum DO Partido porque, naqueles anos de corte brutal, resistiram um-a-um mas não tiveram força para ir mais além, não (se) traindo!, mas reconhecendo-se fragéis, e por isso ali.

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, ainda em Abril mas de 1964, alguns adivinhando que lá fora, e noutras celas e salas fechadas, se preparava o rumo à vitória que só em Abril, mas de 1974, chegaria e para que estavam dispostos a dar contributo.

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, preparando, ali e naquelas condições, o dia do trabalhador, o simbólico 1º de Maio, que ali também era dia a assinalar, por todos, apesar das diferenças e tensões. 

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, num 1º de Maio encarcerados, com um programa ambicioso, provas desportivas na manhã, rancho melhorado pela cantina interna ao almoço, teatro – A Gota de Mel, de Léon Chancerel – e, para fim de festa, troca de lembranças, cada um dos 30 fazia a sua e sorteavam-se para que cada um tivesse uma. 

Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, num 1º de Maio encarcerados, e no final de um dia de liberdade possível (como todos os dias o são!), tive a sorte (coisa tão rara… acho eu) de ter a que seria, para mim, a “melhor prenda”: um jogo de xadrez de peças feitas com pão amassado, metidas numa caixa forrada com papel alusivo, e com divisões para as peças, tudo obre de um artista, do Dante Marques (médico e judoca), meu colega do Liceu Pedro Nunes que viera reencontrar camarada, ali, em Caxias, com mais 28 companheiros e camaradas, 30 homens em cela fechados, encarcerados pelo fascismo… mas livres! 




Eram em Caxias, 30 homens em cela fechados, vermelho, vermelho o sangue dos trinta, como terminava o Jorge Amado a sua cantilena dos 3 soldados em Santos, baioneta calada. 

O Partido Comunista Português tinha então feito 43 anos de vida e luta, lembrá-lo quando se aproxima de completar 100 anos a 6 de Março de 2021 ajuda a dar-lhe (e a dar-nos) uma dimensão temporal que o (e nos) humaniza, projectando-o para além da nossa efemer(a)idade 

Para nós – para o Dante Marques e para mim – estas peças e caixa de um jogo de xadrez com miolo de pão são uma ponte entre o ontem vivido em Caxias e o hoje de um Partido que tínhamos então tomado, de um Partido que tem – e é – futuro.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

José Dias Coelho, pequena biografia

 

 

(Pinhel, 19-06-1923 – Lisboa, 19-12-1961)

José Dias Coelho nasceu em Pinhel, distrito da Guarda, e passou a infância em Coimbra e Castelo Branco. Completou o liceu em Lisboa e em 1942 matriculou-se na Escola de Belas-Artes de Lisboa, primeiro em Arquitetura e, depois, em Escultura.

Ligou-se à Federação das Juventudes Comunistas, participou na Frente Académica Antifascista, no Movimento Nacional de Unidade Antifascista (MUNAF) e no Movimento de Unidade Democrática (MUD) e envolveu-se ativamente nas principais lutas políticas e estudantis dos anos seguintes. Organizou e participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, oportunidade para artistas desafetos ao regime exporem a sua obra. Aderiu ao Partido Comunista Português (PCP) no final da década de 40. Detido em janeiro 1949 pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), depois de participar na campanha de Norton de Matos, foi colocado na Prisão do Aljube, onde esteve incomunicável durante dez dias.

Apostando cada vez mais na atividade artística, no início dos anos 50 participou nas lutas na Sociedade Nacional de Belas Artes e começou a dar aulas na Escola Industrial Machado de Castro, na Escola Veiga Beirão e na Escola Francisco de Arruda. Em 1952 dirigiu as grandes movimentações dos estudantes de Belas Artes, valendo-lhe a demissão por razões políticas como professor do ensino técnico e, ainda, a expulsão da Escola de Belas Artes, ficando proibido de ingressar em qualquer outra faculdade portuguesa. Com uma carreira de pintor e escultor cada vez mais fulgurante, Dias Coelho entrou para a clandestinidade em 1955 como funcionário do PCP. Para trás ficava a carreira artística. Na casa clandestina de Dias Coelho e de Margarida Tengarrinha, sua mulher, foi instalado o Gabinete Técnico de Falsificações de documentos (bilhetes de identidade, licenças de bicicleta, cartas de condução, passaportes). Tinha também à sua responsabilidade parte do aparelho de passagem de fronteira. A partir de 1960 José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha passaram a realizar desenhos, ilustrações e cabeçalhos para publicações como A Voz das Camaradas ou o Avante!.

Pertencia à Direção da Organização Regional de Lisboa e era o responsável pelo sector intelectual do PCP quando, em dezembro de 1961, com 38 anos, foi assassinado a tiro pela PIDE no bairro de Alcântara, em Lisboa, na rua que tem hoje o seu nome.