100 anos de militância a caminho do futuro

1921-2021

sábado, 29 de agosto de 2020

JOSÉ BERNARDINO (1935 - 1996)

JOSÉ BERNARDINO (1935 - 1996)

Destacado dirigente estudantil e do PCP, deu activa e generosa contribuição à luta pela liberdade e pela democracia, ao logo de toda a sua vida. Desde muito jovem, José Bernardino foi sensível ao sofrimento dos outros, à sua volta e no mundo, abrindo-se a generosos ideais de libertação e felicidade humana. Esteve preso em Peniche durante 7 anos (1).

1. José Manuel Mendonça de Oliveira Bernardino nasceu em Huambo (Angola) e faleceu aos 62 anos de idade, após prolongada doença, que enfrentou sempre com grande coragem e serenidade. De uma família de militantes antifascistas e anticolonialistas, era irmão de David Bernardino e Luís Bernardino, dois conhecidos médicos nacionalistas angolanos (o primeiro deles barbaramente assassinado pela UNITA) e de Paulo Bernardino. Tinha também duas irmãs, Carmo e Morena.

Membro do PCP desde 1956 e funcionário do PCP desde 1961, destacou-se ainda muito novo na luta estudantil. Antes do 25 de Abril foi dirigente da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, da Casa dos Estudantes do Império e Secretário-geral da RIA (reunião Inter-Associações) em 1960/61. Desde cedo, integrou os organismos estudantis do PCP, quando ainda eram clandestinos.

Foi em em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, que iniciou o Serviço Militar Obrigatório como cadete. Depois, em Janeiro de 1960, foi colocado como oficial miliciano no GACA-2, em Torres Novas. Porém, a partir de 1961, José Bernardino passou a viver na clandestinidade, como quadro funcionário do PCP. Foi preso em 24 de Maio de 1962, na sequência das grandes lutas académicas e do 1º de Maio. Integrava a comissão do Partido que preparou e organizou a manifestação do 1.º de Maio (2).

Foi julgado em tribunal Plenário e condenado, cumpriu sete anos de prisão, tendo saído em liberdade só em 1969. Casou-se com Manuela Cruz Bernardino, na cadeia do Aljube em 1963, durante a prisão.
Pouco depois da sua libertação, regressou à vida clandestina, como funcionário do PCP em França.

2. No 25 de Abril encontrava-se como membro da Direcção da Organização Regional do Norte do PCP. Depois, desempenhou tarefas e exerceu responsabilidades nas Organizações Regionais do PCP das Beiras e, posteriormente, de Lisboa. Entre Maio de 1974 e Dezembro de 1996, foi membro do Comité Central. Quando faleceu, era membro da "Comissão junto do Comité Central para os Assuntos Económicos".

José Bernardino era, à data da morte, Vice-Presidente e secretário geral da Associação Iuri Gagarine, antiga Associação Portugal-URSS, a que dedicou as suas últimas energias para planear a comemoração do 80º aniversário da Revolução de Outubro.

O funeral de José Bernardino constituiu uma manifestação de profundo pesar em que estiveram centenas de amigos e camaradas. Participaram o Secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, muitos dirigentes e numerosos militantes do partido, bem como muitos democratas e amigos. O Presidente da República, Jorge Sampaio e o Embaixador da República de Angola fizeram-se representar. Carlos Aboim Inglês, em nome do Comité Central do PCP, proferiu palavras de despedida.

(1) Palavras de Carlos Aboim Inglês no seu funeral: « Homem de Partido, sem dúvida, vertical e desassombrado, José Bernardino possuía uma rara capacidade de diálogo e convergência largamente unitária. Foi homem de firmes convicções, mas não sectário; exigente consigo e com os outros, mas profundamente generoso. Por isso mesmo foi um homem de muitos e bons amigos e leal amigo de todos eles, dentro e fora do Partido.»

(2) Preso com José Magro e outros camaradas seus, foi violentamente torturado não tendo prestado à polícia quaisquer declarações.

Biografia da autoria de Helena Pato

Fontes:

http://www.omilitante.pcp.pt/pt/317/Efemeride/677/No-50%C2%BA-anivers%C3%A1rio-do-24-de-Mar%C3%A7o.htm
http://www.avante.pt/arquivo/1236/3603c2.htmlhttp://www.avante.pt/arquivo/1236/3603c2.html
http://memoriasdopresente.blogspot.pt/2013_06_02_archive.html


 


 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

JOAQUIM NAMORADO (1914 – 1986)

JOAQUIM NAMORADO (1914 – 1986)

Joaquim Victorino Namorado nasceu em Alter do Chão, a 30 de Junho de 1914 e faleceu em Coimbra, a 29 de Dezembro de 1986. Antifascista militante que marcou sucessivas gerações, sobretudo de universitários que passaram por Coimbra, era um homem de rara craveira intelectual, de grande cultura e de invulgar preparação ideológica. A tenacidade com que enfrentou a Ditadura, a coerência nos princípios, a disponibilidade e a vivacidade com que dialogava com os jovens, criaram-lhe uma aura que ficou na memória daqueles com quem privou. Cidadão da Resistência contra a Ditadura, poeta percursor do neo-realismo, foi militante do Partido Comunista Português desde a década de 30.

1. Frequentou o liceu em Portalegre e depois inscreveu-se na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, onde fez os estudos preparatórios para a Escola Naval e, em seguida, o curso de Ciências Matemáticas, que iria completar em 1943, depois de várias interrupções. 


Em 1935 foi eleito para a direcção do Centro Republicano Académico. Afastou-se da Esquerda Republicana e ligou-se ao Partido Comunista Português. Esteve várias vezes preso por motivos políticos (a primeira em 1938, acusado de distribuir panfletos do Bloco Académico Anti-Fascista, acusação pela qual foi julgado no Tribunal Militar Especial do Porto e absolvido por falta de provas). Em 1943 foi um dos organizadores em Coimbra do MUNAF. No ano seguinte encontrava-se entre os membros dos Grupos Anti-Fascistas de Combate (GAC), aderiu ao MUD e, em 1948, fez parte da comissão concelhia de Coimbra de apoio à candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República.


Entre 1944 e 1948, leccionou em colégios de Coimbra, mas o diploma de professor do ensino particular foi-lhe retirado e ficou impedido de desempenhar funções públicas (situação que só se alterou depois do 25 de Abril). Entre 1950 e 1959, esteve na clandestinidade (em fuga à PIDE, durante um certo período)e, em 1962, voltou a ser preso pela polícia política, acusado de pertencer ao Partido Comunista e às Juntas Patrióticas, tendo ficado em prisão no Forte de Caxias.
Nas eleições legislativas de 1969 foi candidato na lista da CDE de Portalegre.
Matemático de formação, após o 25 de Abril foi convidado pela FCUC e ingressou no quadro de professores da secção de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da universidade de Coimbra.

2. Como poeta foi uma figura nuclear do movimento neo-realista do qual foi percursor e teórico. Em 1936 começou a colaborar na revista Manifesto, dirigida por Miguel Torga, e, no ano seguinte, foi um dos fundadores dos Cadernos de Juventude, cujo primeiro número a PVDE apreendeu na tipografia. Em 1939, ganhou o prémio de ensaio dos Jogos Florais Universitários, com Breve Introdução à Leitura dos Poetas Modernistas, e, em 1940, foi de novo premiado, juntamente com João José Cochofel e Álvaro Feijó. Em 1945 foi um dos reformadores da revista Vértice, e seria seu director entre 1975 e 1981. 


Além dos Cadernos da Juventude e da revista Vértice, colaborou nas revistas Altitude e Seara Nova, bem como nos jornais O Diabo e Sol Nascente. Editou na colectânea de poesia Novo Cancioneiro a sua primeira obra poética, Aviso à Navegação. Toda a acção de Joaquim Namorado, poética, ensaística, doutrinária ou cultural, se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel do intelectual na divulgação da cultura enquanto instrumento de consciencialização do povo, dotando-o de apetrechos para se elevar e, consequentemente, se libertar politicamente; e de que o processo artístico que serviria melhor este processo de transformação ideológica encontrava numa arte realista e de intenção social a forma mais apropriada para uma comunicabilidade imediata. A sua criação poética, atenta à natureza e ao Homem, concebida como expressão natural e sincera de uma existência que não é necessário explicar, era para Joaquim Namorado assumida como necessária, pelo vasto processo de renovação que integra, mas, sobretudo, por aí ressoarem vozes e verdades imanentes: a voz do mundo "ressoando no meu ouvido/ como num búzio um mar perdido" (cit. por PITA, A. P. in Vértice, II, 12.91).

«Na lembrança da força renovadora que foi trazida à literatura portuguesa dos anos 40 pelo movimento neo-realista, o nome de Joaquim Namorado aparece na primeira linha, não por ter sido apenas um dos seus mais acérrimos e coerentes defensores, mas sobretudo pelo exemplo da sua intervenção poética e cultural nos difíceis anos do fascismo salazarista. Relendo na distância dos anos os seus poemas ou alguns dos breves ensaios e críticas sempre em redor de poetas e da poesia, (…) o autor de Poesia Necessária retoma ainda connosco esse mesmo diálogo ou renova, pelo clamor do tempo, os mesmos pressupostos ideológicos e estéticos que justificaram e clarificaram a sua “poética da cultura”» (1)

Em Janeiro de 1978, assinou um manifesto dirigido Ao Povo Português, protestando contra o governo de coligação entre o Partido Socialista e o Centro Democrático Social, prestes a constituir-se. Em 1982 foi eleito para a Assembleia Municipal da Figueira da Foz. Empenhou-se na actividade da Associação de Amizade Portugal-RDA.

3. Em 1983, a Assembleia Municipal e o executivo da Câmara Municipal de Coimbra atribuíram-lhe a Medalha de Ouro da cidade.
Em Janeiro de 1983, por iniciativa do jornal Barca Nova, a Figueira da Foz prestou-lhe uma significativa Homenagem, que constituiu um acontecimento nacional de relevante envergadura, onde participaram vultos eminentes da cultura e da democracia portuguesa. Na sequência dessa homenagem, a Câmara Municipal da Figueira, durante anos, teve um prémio literário, que alcançou grande prestígio a nível nacional: “Prémio do Conto Joaquim Namorado".

Por ocasião do centenário do seu nascimento (desde Junho de 2014 até Junho de 2015), Joaquim Namorado foi homenageado em Coimbra pelo PCP, em conjunto com algumas entidades da cidade. A sua poesia foi lembrada, com vivacidade, nos locais que ele mais frequentava (Café Tropical, Praça da República, Departamento de Matemática, Ateneu de Coimbra, Casa da Escrita e café A Brasileira). Foi distribuída uma pequena biografia do artista e o poema “É preciso que saibas!”(2). Na Casa Municipal da Cultura foi apresentado o livro “O herói no neo-realismo mágico” (da autoria de Jaime Ferreira, amigo de Namorado e que integrou a redacção da revista Vértice em 1972, a convite deste) – uma obra editada na Lápis de Memórias, com textos intimistas que recordam Coimbra de outra época, uma cidade intelectualmente viva. Durante as comemorações, a Lápis de Memórias lançou uma fotobiografia de Joaquim Namorado. Saiu um número especial da revista Vértice e foi levada a Coimbra uma exposição bibliográfica sobre o escritor, que esteve presente no Museu do Neo-realismo, em Vila Franca de Xira. A Escola da Noite, o Ateneu de Coimbra, Casa da Escrita, Casa da Esquina, O Teatrão, Sindicato dos Professores da Região Centro, Câmara de Coimbra e Universidade de Coimbra foram outras entidades envolvidas nesta homenagem ao cidadão poeta e professor.

Notas:

(1) Serafim Ferreira - Prémio do conto Joaquim Namorado, Município da Figueira da Foz / 1997. Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

(2) «É preciso que saibas»

Se espetas
Certeiro
Ao coração do Povo
É a ti que feres.

Se cercas
De grades
A vida do Povo
É a ti que prendes.

Se julgas
Sem justiça
O direito do Povo
É a ti que condenas.

Se negas
A verdade
À palavra do Povo
É a ti que mentes.

Se lavras
No duro chão dos dias
O tempo futuro
É nele que vives.

(Joaquim Namorado)




segunda-feira, 24 de agosto de 2020

ÁLVARO PATO (N. 1950 )

 

 

ÁLVARO PATO (N. 1950 )

Falar de Álvaro Pato é reviver décadas de luta antifascista, marcadas pela dor, sofrimento, resistência e coerência política ímpar, mas serve, também, para constatar a impunidade, após 1974, dos que prenderam, torturaram e mataram durante 48 anos.

Filho de Antónia Joaquina Monteiro e de Octávio Floriano Rodrigues Pato [01/04/1925 - 19/02/1999], ambos militantes do Partido Comunista, Álvaro Monteiro Rodrigues Pato nasceu em Março de 1950, quando os pais estavam na clandestinidade.

Quando nasceu, o tio, Carlos Pato [Carlos Alberto Rodrigues Pato (21/12/1920 - 26/06/1950)], igualmente militante do Partido Comunista, estava preso em Caxias e não tardaria a morrer devido às violentas torturas sofridas às mãos da PIDE, deixando uma filha e um filho muito pequenos, respectivamente com 20 e 7 meses.

Como os riscos eram muitos e, com apenas dezasseis meses, Álvaro Pato passou a viver com os avós paternos [Maria da Conceição Rodrigues Pato (n. 1900) e João Floriano Baptista Pato (26/06/1895 - 14/12/1983)], em Vila Franca de Xira, sendo que a avó foi a mulher que, entre 1949 e 1974, mais anos passou a caminho das prisões fascistas para visitar os filhos, a nora ou o neto.

Aos nove anos, Álvaro reencontrou-se, fugazmente, com o pai num encontro clandestino preparado na Nazaré; voltou a ver a mãe somente aos treze, quando ela lhe apareceu junto à casa dos avós paternos.

Em 1961, com a prisão do pai e da companheira, Albina Fernandes [05/01/1929 - 02/10/1970], Álvaro Pato, um rapazito de 11 anos, iniciou as suas caminhadas semanais a Peniche e a Caxias para os ver, acompanhando o tio Abel [Abel Rodrigues Batista Pato, chegou a estar preso no Aljube em finais de 1953, inícios de 1954], a avó Maria, o avô João e os (novos) irmãos Isabel e Rui. Visitas que se prolongaram por muitos anos, nove, até à libertação do pai, chegando, nas férias, a estar acampado 15 dias no parque de campismo de Peniche, para o poder visitar com mais frequência, muito contribuindo para o estreitamento dos laços afectivos (e também políticos) entre os dois.

Entretanto, Álvaro Pato começou a participar na secção cultural da União Desportiva Vila-franquense, onde conheceu, por exemplo, Vítor Dias, e por volta dos dezasseis anos ingressou no Partido Comunista.

Passou pela Escola Machado de Castro e, em 1968, entrou no Instituto Industrial, também em Lisboa, tendo feito parte da direcção da Associação, entretanto encerrada pelas autoridades académicas, o que provocou greves às aulas e a prisão de vários colegas. A viver num quarto em Lisboa, foi avisado pelos avós que a GNR o tinha procurado com um mandado de captura e passou a viver numa semi-clandestinidade, sustentando-se como desenhador através de projectos de construção civil que Álvaro Veiga de Oliveira [25/01/1929 - 24/08/2006] lhe entregava.

Em Outubro de 1970, Albina Fernandes suicidou-se, cabendo a Álvaro Pato dar a notícia ao pai e ao irmão Rui.
Mobilizado para a tropa em 1971, desertou em Abril de 1972 por estar em vias de ser enviado para a Guiné, já que era «politicamente suspeito», informação dada por um alferes, comandante de pelotão. Entrou, então, na clandestinidade, chegando a reencontrar o pai, também na clandestinidade, numa reunião política ocorrida no Porto em Outubro de 1972. Passou a ser António Gomes da Silva, segundo o forjado documento de identificação.

Em 25 de Maio de 1973, quando tinha por tarefa a organização, na Margem Sul, de um movimento de jovens trabalhadores, foi preso num autocarro apanhado em Coina, devido a denúncia do jovem com quem se ia encontrar: Silvano, com dezoito anos, era, afinal, informador da PIDE.
Seguiu, primeiro, para a delegação da PIDE em Setúbal, onde não prestou quaisquer declarações. Levado para Caxias, e apesar da recusa em se identificar, foi reconhecido por um guarda do tempo em que visitava a companheira do pai, Albina Fernandes.

Começaram as torturas, tendo a do sono perdurado por 11 dias e 11 noites. Não falou. Quando presente a Tribunal Militar, devido à deserção, ousou denunciar os maus-tratos que a PIDE lhe tinha infligido, o que teve por consequência ser espancado no regresso à prisão.

Libertado em 27 de Abril de 1974, tinha à sua espera a mãe: "Não trocaram uma palavra. Abraçaram-se a chorar, durante largos minutos" [Joana Pereira Bastos, Os últimos presos do Estado Novo, Oficina do Livro, 2013, p. 135].

Recuperar a liberdade não é sinónimo de remeter para o passado os espancamentos e as torturas infligidas pela PIDE. Esses momentos nunca se apagam, continuam alojados na memória e no corpo. Sempre. Por tudo isto, é necessário falar sobre o que foram 48 anos de ditadura.

[João Esteves / https://silenciosememorias.blogspot.com/2019/12/2200-alvaro-monteiro-rodrigues-pato-