100 anos de militância a caminho do futuro

1921-2021

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

ODETE [PAIVA] DOS SANTOS [1925 - 2009]

Odete Carvalho dos Santos foi uma das jovens que pertenceu ao MUD Juvenil e que ao aderir, em 1946, ao Partido Comunista conheceu a clandestinidade e a prisão, onde nasceu a filha.

Filha de Carolina Pereira de Lima e de Manuel Viegas de Carvalho, nasceu em São Pedro do Sul em 3 de Julho de 1925.

Casada com o litógrafo João Paiva dos Santos [28/02/1920 - 25/12/2017], militante do Partido Comunista preso por diversas vezes entre 1949 e 1974, Odete de Lima Carvalho dos Santos iniciou nova a atividade política de oposição ao Estado Novo, tendo sido ativista do MUD Juvenil e aderido àquele partido em 1946.

Desempenhou, então, atividade técnica no âmbito de reuniões e da «impressão clandestina, principalmente de unidade democrática, sendo a sua casa várias vezes ponto de apoio dos camaradas funcionários do Partido» [Avante!, 29/10/2009, p. 10].

Participou, em 1949, na campanha eleitoral de Norton de Matos (1949) e seria detida pela PIDE no ano seguinte, em 14 de Fevereiro de 1950, ficando em prisão preventiva durante exatamente nove meses, apesar de estar grávida e, entretanto, o bebé ter nascido. Parte da detenção, entre 9 de Junho e 10 de Outubro, decorreu na Maternidade Alfredo da Costa, por ter tido um princípio de aborto com hemorragias, sendo libertada em 14 de Novembro ao ser absolvida pelo Plenário do Tribunal Criminal de Lisboa.

Em liberdade, Odete Carvalho dos Santos continuou a actividade política: participou, em 1958, nas campanhas presidenciais dos candidatos Arlindo Vicente e Humberto Delgado; colaborou na Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP), constituída em finais de 1969; interveio, no âmbito da Comissão Democrática Eleitoral (CDE), nas eleições de 1969 e 1973 e no Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro.

O percurso político e o trabalho desenvolvido fizeram com que trabalhasse, como telefonista, na primeira sede oficial do Partido Comunista após o 25 de Abril de 1974 e, posteriormente, na CDL (Central Distribuidora Livreira).

Reformada, instalou-se em Brescos, aldeia alentejana da freguesia de Santo André, concelho de Santiago do Cacém, onde continuou a militância partidária de mais de seis décadas.

Relatou, em entrevista a Gina de Freitas, publicada no Diário de Lisboa de 15 de Outubro de 1974, vivências da sua prisão em Caxias, a assistência prestada na Maternidade Alfredo da Costa e as torturas infligidas ao marido durante os vários anos de cadeia.

Faleceu em 15 de Outubro de 2009, com 84 anos de idade.

Nota: Fotografia cedida por Isabel Santos, sua filha, a quem muito se agradece.

[João Esteves - Blogue Silêncios e Memórias / https://silenciosememorias.blogspot.com/.../2399-odete-de...]

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Saudação

A Festa do Avante! de 2020 é um marco histórico de luta, coerência e determinação, deste Partido que dentro de seis meses festejará o seu centenário.

Saudação

ao colectivo partidário, aos construtores, amigos e visitantes

da Festa do Avante!

 

O Comité Central do PCP saúda o colectivo partidário pela realização da Festa do Avante! nesta edição de 2020, saudação que estende a todos os que para ela contribuíram e nela participaram.

A Festa do Avante! foi a prova de que é possível garantir a segurança e protecção no plano da saúde e simultaneamente fruir a vida, exercer direitos, dar espaço à cultura e à solidariedade.

A alegria de viver, o direito à cultura, ao debate e à intervenção política, o convívio entre gerações, não são descartáveis. Fazem parte da vida. Amputar esses e outros

direitos, seja a pretexto do vírus ou de outro qualquer, é limitar o desenvolvimento integral a que todos os seres humanos têm direito, é aumentar a exploração, é limitar

a vida democrática.

Construímos e realizámos esta Festa no quadro de uma inusitada hostilidade dos grandes interesses económicos e das forças mais reaccionárias e conservadoras. Usaram todos os pretextos para atingir os seus reais propósitos: instrumentalizar o medo para fazer recuar décadas na forma de vida e nos direitos dos trabalhadores e do povo.

Essa pretensão foi derrotada. É crescente o reconhecimento da valiosa contribuição dada pela realização da Festa do Avante! Para, adoptando as medidas necessárias de

protecção sanitária, resgatar a confiança e a alegria, o direito à cultura e à fruição da vida. Aos que por razões várias nela não puderam participar, marcamos encontro nas muitas batalhas que havemos de travar e na 45ª edição da Festa do Avante em 2021.

A realização da Festa do Avante!, com responsabilidade, coragem, segurança, alegria, combatividade e criatividade, é a demonstração prática de que é possível combater o medo e o conformismo, dar esperança e confiança na luta pelo futuro.

A Festa demonstrou a força de um Partido que trabalha, vive e luta para servir os trabalhadores e o povo, hoje como de há 100 anos para cá. Um Partido feito de homens e mulheres como todos os outros, mas unidos na determinação de lutar pela construção de uma sociedade livre de exploração e injustiças.

12/09/2020

O Comité Central do

Partido Comunista Português

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

ANTÓNIO TERESO (1927 – 2017)

ANTÓNIO TERESO (1927 – 2017)

 Cidadão antifascista, corajoso e dedicado militante do PCP, preso, julgado e condenado em Tribunal Plenário, estava no fim do cumprimento de uma pena de 2 anos e três meses, quando arriscou voltar para a cadeia, ao participar na organização e concretização de uma fuga de sete camaradas da direcção do seu partido. Disse sempre que o que mais lhe custara nessa acção tinham sido os insultos e o desprezo dos seus camaradas, durante meses, pelo facto de aparecer aos seus olhos como um traidor. António Tereso é um caso extraordinário de fidelidade a um ideal.


Até pouco tempo antes de morrer, aos 89 anos, manteve tarefas de apoio ao PCP.

António Alexandre Tereso nasceu em Alcobaça em 16 de Novembro de 1927, filho de António Tereso e de Arminda Glória. Começou a trabalhar em Lisboa, aos 12 anos, como aguadeiro dos calceteiros do Poço do Bispo. Depois, foi servente de pedreiro, cavou vinha no Cadaval, ceifou trigo na zona de Lisboa, foi lavador e lubrificador de automóveis, e ingressou na Carris em 1951, como operário. Na sequência de uma luta de trabalhadores nessa empresa, foi preso em Fevereiro de 1959 já como motorista, e levado para a cadeia do Aljube. Dali, enviado para a cadeia de Caxias, onde a partir de Março ficou a aguardar julgamento, e em Novembro desse ano começou a ser julgado em Tribunal Plenário. Em Fevereiro de 1960 foi condenado à pena de dois anos e três meses de prisão, acrescida da «medida de segurança» de seis meses a 3 anos (prorrogável), além da suspensão de direitos políticos por 15 anos.

 
Em Setembro de 1960, foi transferido de cela e enviado para uma outra onde se encontravam os dirigentes do comité central do PCP José Magro e Afonso Gregório. Foi então abordado por J. Magro, com a proposta de que simulasse o abandono das suas convicções junto da direcção da cadeia, para obter assim um tratamento especial da parte da polícia. Foi a custo que aceitou vestir essa pele, mas fê-lo com o intuito de ajudar na libertação dos seus camaradas, devolvendo-os à luta. Sucederam-se várias punições por desobediência ao regulamento da Cadeia, e daí em diante, toda esta combinação iria ser desconhecida da maior parte dos seus companheiros que, ao ouvirem-no e ao assistirem aos seus comportamentos, acreditaram na sua traição. Não tardou, pois, a ser desprezado por todos e ostracizado pela sua companheira. Na sala e no recreio sucediam-se as cenas de conflitos, com Tereso a provocá-las, para melhor se afirmar junto da direcção da cadeia, dos guardas e da PIDE. A simulação era tão perfeita que até do Partido Comunista chegaram ordens para todas as salas de que não dessem conversa a “rachados”, que não eram pessoas que merecessem mais do que desprezo.

Quando finalmente, com a estratégia delineada, caiu nas boas graças do director, António Tereso alcançou a liberdade de movimentos que iria permitir-lhe preparar uma fuga. Conhecedor de mecânica automóvel, não tardou a ser-lhe pedido pela direcção da cadeia que arranjasse o "chrysler" de Salazar, que se encontrava imobilizado na garagem da prisão. O resto da fuga foi milimetricamente organizado por ambos, José Magro e António Tereso (1). 

 
Enquanto era constantemente renegado pelos companheiros, levou a cabo a parte do plano que consistia em pedir ao director da Cadeia de Caxias um emprego na PIDE como motorista. Ao fim de muita insistência (não foi imediato), António Tereso conseguiu obter um emprego de motorista no Forte, a troco de 1500 escudos por mês.

Em Novembro de 1961 iniciou o cumprimento da famigerada «medida de segurança», a que estava condenado, e a 4 de Dezembro desse ano ocorre a fuga: António Tereso, o mecânico da prisão de Caxias para os carcereiros, o traidor e “rachado” para os prisioneiros, irrompeu no carro blindado de Salazar pelo pátio dentro, arrombou o portão de ferro e pôs-se em fuga a caminho de Lisboa, levando consigo no Chrysler de Salazar, para fora da cadeia, sete camaradas que iriam voltar à clandestinidade como funcionários do PCP.

 
«O homem que arriscou fingir-se amigo de directores, dos guardas, da PIDE, que se queixou de ter a barriga cheia de política, que teve de fingir que virava costas aos amigos, aos comunistas, aos reclusos como ele, estava a poucos meses de cumprir a pena e sair em liberdade quando aceitou ser o protagonista de um plano impossível. Se o plano falhasse, já não haveria regresso a casa» (2).

António Tereso teve, assim, um papel crucial na preparação e fuga de dirigentes comunistas da Cadeia de Caxias, a 4 de Dezembro de 1961: acompanharam-no José Magro, Francisco Miguel, Domingos Abrantes, António Gervásio, Guilherme de Carvalho, Ilídio Esteves, Rolando Verdial.

Depois da fuga, foi colocado pelo PCP no estrangeiro. Ficou na Checoslováquia até 1969, ano em que foi viver em França. Aí trabalhou como torneiro mecânico até 25 de Abril de 1974.
Depois do 25 de Abril foi reintegrado na Carris e enquanto lhe foi fisicamente possível desempenhou sempre tarefas de apoio à direcção do PCP.
Morreu no dia 7 de Janeiro de 2017.

Notas:

(1) A FUGA no testemunho de António Gervásio, um dos evadidos:

«Um certo dia soubemos que se encontrava na garagem da cadeia um «Mercedes» à prova de bala. Esta informação teve uma enorme importância para se perspectivar a fuga. (…) Era necessário conhecer o estado do carro, repará-lo, arranjar combustível, fazer ensaios. Colocava-se a questão: como chegar ao «Mercedes» sem levantar o mínimo de suspeita? (…) No Forte de Caxias existiam alguns presos com comportamentos fracos que, a troco de visitas em comum com familiares, apanhar sol, receber comida da família, se dispunham a fazer alguns serviços da cadeia, como limpezas e outros. A esses presos, os outros chamavam-lhes «rachados» (uma coisa que não presta). Estudando esta realidade dos «rachados», a organização do Partido na cadeia avançou com a ideia de arranjar um «rachado» fingido, um quadro sério, corajoso, capaz de assumir tarefas difíceis e arriscadas. Essa escolha foi cair no camarada Tereso, motorista da Carris, com conhecimentos mecânicos e outras capacidades. (.. .)Levou tempo a ganhá-lo para a tarefa, pois ele não aceitava a ideia de ser «rachado» mesmo a fingir. Contudo, sendo uma tarefa do Partido, acabou por aceitá-la. A Pide, desconfiada, demorou tempo a ser convencida. Uma das tarefas do novo «rachado» era ganhar a confiança dos carcereiros. Começou por arranjar os carros da cadeia, depois os carros do director do Forte e de alguns Pides. A sua credibilidade foi crescendo e passado tempos chegou ao célebre «Mercedes». Estudou-o, foi-o reparando e sacando combustível da cadeia. Com o andar dos tempos começou a fazer experiências, pequenas manobras no pátio do forte, ensaios que foram aumentando. Passaram-se vários meses. As andanças do «Mercedes» eram vistas como normais pela GNR. Os batentes de cimento do portão do exterior estavam devidamente estudados: não iriam resistir ao embate do «Mercedes».
A fuga tinha de realizar-se antes das 10 horas da manhã, porque depois dessa hora chegavam ao portão familiares dos presos para as visitas. Estavam asseguradas medidas para não haver pessoas atrás do portão e era rigorosamente necessário que no dia da fuga os carros da cadeia e da Pide, dentro do forte, estivessem, antes das 9 horas, todos imobilizados, avariados, para não poderem perseguir os fugitivos – medida que também foi assegurada.
Estava definido quais os oito camaradas que iriam participar na fuga. A casa da guarda (GNR) ficava no meio do túnel que dava acesso ao pátio do recreio dos funcionários presos e ao portão do exterior. Junto à casa da guarda havia um gradão de ferro. Havia comandantes que tinham o túnel fechado com o gradão durante o dia, outros tinham-no aberto. No dia da fuga o túnel estava fechado. Algumas semanas antes da fuga, a Pide inventou um estratagema na escala dos recreios no sentido dos funcionários presos nunca saberem o dia e a hora certa do recreio, tudo isto com receio de fuga! Finalmente chegou o dia decisivo.
A 4 de Dezembro de 1961, às nove e pouco da manhã, a Pide abre-nos a porta para o recreio. Estávamos um pouco tensos. Alguns de nós pensámos: vamos sair e já não voltaremos!
No recreio iniciámos o nosso jogo tradicional de voleibol que fazia parte de outra jogada... A GNR, nos taludes, observava-nos. No nosso meio circulavam carcereiros armados. Poucos minutos depois vemos o «Mercedes» conduzido por Tereso subindo em marcha atrás o túnel por onde iríamos fugir. O «Mercedes» chegou até junto de nós. Começámos a «protestar», os guardas muito atentos, aproximámo-nos do carro cujas portas só estavam encostadas – tudo aparentemente sereno mas muito rápido. Ouve-se o grito da senha: GOLO! E num gesto super rápido os oito fugitivos estavam no interior do «Mercedes» que, em grande velocidade, avança pelo túnel em direcção à liberdade. A sentinela não teve sequer tempo de fechar o gradão. O «Mercedes» vai direito ao portão exterior, arranca em primeira, dá uma pancada no portão que salta em pedaços! Ouvem-se tiros de metralhadora. O «Mercedes» arranca encostado ao talude do forte. Chovem tiros e ouvem-se as balas a fazerem ricochete no carro. Os carcereiros correm em busca dos carros da cadeia, mas, para seu azar, nenhum deles quis mexer-se, estavam todos avariados! Não podiam perseguir os comunistas fugitivos...
Cerca de 10 minutos depois, os oito fugitivos estavam em Lisboa. Cada um seguiu o seu rumo a abraçar as novas tarefas do Partido. O «Mercedes» ficou a descansar na rua Arco do Carvalhão até a Pide o ir buscar...»
in «O Militante» - N.º 280 Janeiro /Fevereiro 2006

(2) António Tereso, motorista da Carris com conhecimentos de mecânica iria, com a cumplicidade e a benevolência do director da cadeia e dos guardas, arranjou o velho carro à prova de bala, (supostamente oferecido por Hitler ao ditador Salazar) que serviu para a fuga. "Foi com sacrifício que aceitei a tarefa de ´rachar´. Foi o que mais me custou na vida", disse o próprio, ao contar como, contactado por José Magro (um dos dirigentes do PCP evadidos), viveu juntamente com o inimigo durante dezanove meses com vista a preparar a fuga. [Reportagem de Sílvia Caneco no "Jornal i" ].



Biografia da autoria de Helena Pato

- Livro “Por teu livre pensamento”, fotografia de João Carvalho Pina com textos de Rui Galiza.
- Reportagem de Sílvia Caneco em “Jornal i”, a 25 de Abril de 2015, in http://ionline.sapo.pt/388041
- Biografia Prisional in Presos Políticos no Regime Fascista, Presidência do Conselho de Ministros/Comissão do Livro Negro, volume VI (1952-1960), 1988.
- Nota