100 anos de militância a caminho do futuro

1921-2021

sábado, 18 de julho de 2020

ANASTÁCIO GONÇALVES RAMOS



ANASTÁCIO GONÇALVES RAMOS (26/02/1898 - 01/06/1958)

A vida, extraordinária, do lutador e resistente comunista portuense Anastácio Ramos, onze vezes preso durante o fascismo.

Operário metalúrgico no Porto, Anastácio Gonçalves Ramos desenvolveu importante intervenção sindical e política durante a 1.ª República, sendo considerado um orador que galvanizava os comícios realizados naquela cidade devido aos seus dotes de oratória. Preso por diversas vezes, tornou-se militante do Partido Comunista Português aquando da sua implantação no Porto, participou no movimento revolucionário de 3 Fevereiro de 1927, foi deportado para os Açores e para a Madeira, de onde se evadiu, e esteve exilado, por pouco tempo, em Vigo. Preso dez vezes entre 1927 e 1938, conheceu, entre outros estabelecimentos prisionais, o Aljube do Porto e Peniche, voltando a ser detido pela última vez em 1949. Nome muito respeitado entre o operariado e o sector intelectual, esteve associado à fundação da Sociedade Editora do Norte e, quando esta foi encerrada pela PIDE, criou a biblioteca itinerante "Afonso Ribeiro". Terá falecido na década de 1950, tendo, em 1958, José da Silva, seu camarada um pouco mais velho, escrito o opúsculo Anastácio Ramos - Um Operário com História [Edição do Autor, 1958]. Em 1968, foi organizado uma romagem ao cemitério de S. Mamede de Infesta, onde está a sua campa, sendo oradores vários antifascistas. Sérgio Valente tirou as fotografias para a posteridade.

Filho de Albina Gonçalves Ramos, Anastácio Gonçalves Ramos nasceu em 26 de Fevereiro de 1898, em Vizela.

Operário funileiro / zinqueiro, cedo se destacou enquanto organizador de greves sócio-profissionais no Porto - tipógrafos, construção civil, Carris, manipuladores do pão - e orador em comícios. Em 1919, era um dos dirigentes do movimento operário do Porto, representando os operários funileiros na União Sindical Operária, tendo discursado, em 14 de Outubro desse ano, no comício realizado contra a carestia de vida, a par de Joaquim Silva, Secretário-Geral da USO, David Oliveira, Domingos Pereira, Frederico Tavares, Guilherme Gonçalves Baptista, José da Silva Miranda (classe dos tecelões de seda), Maciel Barbosa e Serafim Cardoso Lucena. Ainda nesse período, assinou, pontualmente, um texto no semanário A Bandeira Vermelha, órgão da Federação Maximalista Portuguesa, publicado em 1919-1920.
Dentro do movimento sindical, Anastácio Ramos tornou-se partidário da Internacional Sindical Vermelha e integrou o Núcleo Sindicalista Revolucionário do Porto, dinamizado pelo sapateiro José da Silva. Pouco depois, passou a militar no Partido Comunista e integrou a sua primeira direcção local, presidida por José da Silva e composta, ainda, por António Nunes, chefe de armazém, e José Moutinho, empregado de escritório.

Enquanto membro da direcção do Norte do Partido Comunista, interveio, em Março e Abril de 1926, no Bloco de Defesa Social criado no Porto para denunciar as deportações por motivos sociais e combater o avanço do fascismo, sendo um dos oradores nas sessões e comícios então realizados. No dia 4 de Abril, no comício realizado na Alameda das Fontainhas, foi um dos que discursou, juntamente com oradores que representavam outras formações e sensibilidades políticas e sindicais: Américo Cardoso (Partido Republicano Radical); Cerdeira Paiva (republicano liberal); Jerónimo de Sousa (da Confederação Geral do Trabalho, mas que falou a título pessoal); José Domingues dos Santos (Esquerda Democrática); Marcelino Pedro (Câmara Sindical do Trabalho do Porto e redactor de A Comuna); e Raul Tamagnini Barbosa (do Partido Republicano Radical, mas que também tomou a palavra enquanto).

Durante as comemorações do 1.º de Maio de 1926, interveio, enquanto membro do Partido Comunista, no comício realizado nas Fontainhas, tendo sido alvo de ataques de sectores anarco-sindicalistas. Segundo José da Silva relata nas suas Memórias de um operário, Anastácio Ramos, «com a sua voz de trovão, chamou a si a atenção geral da grande assembleia» e, «como era do seu estilo [...] abriu as suas considerações com um violento ataque ao Capitalismo, lançando-lhe os seus anátemas ao jeito de excomunhões, táctica que sempre levava ao rubro os trabalhadores que o escutassem, o que desde logo lhe granjeou uma formidável ovação».

Ainda no mesmo mês, fez parte dos sete delegados do Porto ao II Congresso do Partido Comunista, realizado em Lisboa nos dias 29 e 30. Preso e libertado várias vezes durante a 1.ª República, Anastácio Ramos terá sido o principal promotor do Socorro Vermelho Internacional na cidade do Porto e as prisões iriam suceder-se com o triunfo da Ditadura Militar e a fascização do país.

Participou, com o seu grupo, na revolução de 3 Fevereiro de 1927, refugiou-se em Espanha na sequência do seu fracasso (Processo 37/Porto) e terá sido preso ainda em 1927, disso dando conta Augusto Alves Rito em carta a Bernardino Machado, datada de 17 de Setembro desse ano: «[...] no Porto foi também preso o Anastácio Ramos, que esteve na Corunha também emigrado. Este Ramos é aquele rapaz comunista, para quem eu pedi a V. Ex.ª que o Cônsul lhe passasse um salvo-conduto» [(1927), Sem Título, Fundação Mário Soares / DBG - Documentos Bernardino Machado, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_100433 (2020-6-8)].
O seu Cadastro Político, arquivado na Torre do Tombo, começa por indicar a influência que, enquanto sindicalista comunista, Anastácio Gonçalves Ramos tinha na mobilização dos operários, datando de 9 de Fevereiro de 1928 a primeira prisão registada enquanto preso pela Delegação do Porto, «por ser revolucionário avançado» e «elemento comunista».
Libertado em 29 de Abril de 1928, manteve-se sob vigilância do «agente secreto N.º 39» e voltaria a ser preso pela Delegação do Porto em 1 de Outubro de 1930, a pedido da Polícia de Lisboa. Enviado para a capital no dia seguinte, acusado de fazer «parte de um grupo organizado pelo Comité Secreto do Partido Comunista e dedicado à prática de atentados pessoais», foi deportado para os Açores em 8 de Outubro [Processo 4695-J]. Seguiu na embarcação "Lima" juntamente com os militantes comunistas António Nunes, Bento Gonçalves, Francisco Pereira de Sousa e José da Silva, para além de outros deportados políticos, tendo sido cantada a Internacional pelos «presos e muitos seus familiares e amigos que deles se foram despedir à praia de Santos, em Lisboa» ["Comunistas deportados", Avante N.º 1735, 01/03/2007].

Evadiu-se, em 13 de Abril de 1931, da Ilha da Madeira, onde estava com residência fixada, a bordo do vapor "Guiné", juntamente com o comandante Sebastião da Costa e outros. Desembarcou em frente de Tavira, seguiu para o Norte, onde permaneceu alguns dias em Espinho e, depois, seguiu para Vigo, onde permaneceu até próximo do Natal. Regressou a Portugal e refugiou-se em sua casa, onde foi preso em 26 de Junho de 1932. Por despacho do Ministro do Interior, foi mandado restituir à liberdade em 14 de Julho [v. Processo 96/Porto].

Preso, no Porto, em 10 de Maio de 1933, «por fazer distribuição de propaganda comunista», e libertado em 24 de Maio. Preso pela Delegação do Porto em 17 de Janeiro de 1935 e libertado em 19 de Janeiro, voltou a ser detido em 2 de Fevereiro, por «manter ligações com comunistas foragidos das Astúrias» [Processo 16/Porto, Processo 1388/SPS]. Enviado para o Aljube do Porto e libertado em 25 de Abril, voltou a a conhecer a prisão pela terceira vez nesses ano. Preso em 2 de Dezembro e enviado para Peniche em 22 de Dezembro, voltaria ao Porto em 28 de Maio de 1936, onde foi julgado pelo TME em 5 de Junho e libertado no dia seguinte [Processo 2220/35].

As prisões sucediam-se e, em 17 de Outubro, seria detido pela Delegação do Porto e libertado em 23 de Dezembro de 1936. Novamente preso pela Delegação do Porto em 14 de Janeiro de 1938 e julgado pelo TME em 10 de Agosto, foi absolvido e libertado em 17 do mesmo mês [Processo 1184/37].

A sua última prisão, a décima primeira sob a Ditadura, data de 12 de Fevereiro de 1949, em Vila Nova de Gaia, onde vivia, sendo libertado em 26 de Março [Processo 1167/949].

Segundo depoimento de Carlos Pereira Soares, Anastácio Ramos terá sido «o homem mais espectacular que eu conheci em toda a minha vida. Ele deu-se muito bem com o Abel Salazar; com essa gente que parava ali na Brasileira, e no Rialto, e com outros fez uma associação, que era a SEN - Sociedade Editora do Norte. Tinham sócios, e era através dessa sociedade que a gente requisitava livros, toda a gente. A PIDE investe contra isso e acaba a SEN. E esse Anastácio Ramos faz uma biblioteca itinerante, chamada Afonso Ribeiro. Pegado ao Piolho, havia um café que era de um homem da oposição, e aí se juntavam os elementos da direcção dessa biblioteca itinerante, emprestavam livros, a gente pagava 5 tostões ou 2 tostões ou 3 tostões, já não sei quanto era, e levava o livro para casa. Se não pagasse também levava»
Em 1958, José da Silva editou, por conta própria, o opúsculo Anastácio Ramos (um operário com história).
Dez anos depois, em 1968, Sérgio Valente fotografou a romagem feita ao túmulo de Anastácio Gonçalves Ramos, localizado no cemitério de S. Mamede de Infesta - Matosinhos, tendo discursado vários oposicionistas ao regime, como Neves Fernandes e Zé "Barbeiro" [Sérgio Valente, um fotógrafo na oposição || Edições Afrontamento || 2010].

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