100 anos de militância a caminho do futuro

1921-2021

terça-feira, 8 de setembro de 2020

HUMBERTO LOPES (1918 – 1984)

HUMBERTO LOPES (1918 – 1984)

Uma personalidade invulgar com uma vida inteiramente dedicada à luta pela Liberdade e pela Democracia. Um antifascista que se destacou nos combates contra a Ditadura, pelo seu carácter, dinamismo, cultura e determinação. Preso e julgado em Tribunal Plenário inúmeras vezes, esteve no Forte de Peniche durante anos. Exerceu a advocacia em Santarém e defendeu presos políticos nos Tribunais Plenários.

1. Humberto Pereira Dinis Lopes nasceu em Santarém, a 17 de Outubro de 1919 e faleceu a 23 de Novembro de 1984. Era filho de Humberto d’Amorim Diniz Lopes e de Maria Judith Martins Pereira Diniz Lopes. [Com 21 anos, o seu pai morreu e a mãe teve de educar sozinha os três filhos, Joaquim, António e Humberto, no difícil período do pós-Guerra Civil de Espanha e início da II Guerra Mundial]. Humberto Lopes fez o ensino secundário em Santarém e aos 14 anos já se manifestava contra a Ditadura do Estado Novo. Adere ao Partido Comunista em 1942 e, a partir daí, vai ter intensa actividade clandestina, embora vivesse na legalidade. Em 1943 concluiu o curso de direito na Universidade de Lisboa e, ainda no princípio da década, casou-se com Arminda Santos Soares, irmã de Pedro Soares (1). Fez estágio no escritório do advogado Manuel Ginestal Machado e, em Novembro de 1943, era já o delegado interino do Procurador da República, em Santarém. No início da década de 40 tinha contactos com Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol e Pedro Soares. Pouco antes de terminar a licenciatura, em 1942, começou a militar no Partido Comunista e foi destacado para criar o comité local do partido, em Santarém (2). A fim de executar essa tarefa organizativa, Humberto Lopes passou a integrar diversas colectividades escalabitanas tornando-se sócio de agremiações desportivas e recreativas em meios operários, na perspectiva do aliciamento e recrutamento para o PCP. Chegou a ser dirigente de algumas delas e a presidir a júris de concursos. Foi dirigente do Club Literário, do Orfeão e do Grupo de Coordenação que ajudou a fundar em 1944. Entre 1943 e 1946, presidiu à Comissão Executiva do Concurso Literário Ribatejano em que participaram colectividades de Santarém. Em 1944, empenhou-se, com Arminda Soares, na criação do Club Literário Guilherme de Azevedo e do Grupo Pró-Cultura dos Empregados no Comércio para fundar o primeiro jardim-de-infância em Santarém (um projecto pioneiro que durou apenas três meses).

Em Maio de 1945, começou a advogar em Santarém. Era então membro do MUD e foi encarregado de estabelecer os contactos com a comissão concelhia de Rio Maior. Todavia, em 1 de Junho de 1946 foi preso, acusado de distribuir propaganda subversiva e de pertencer ao comité regional do “Médio Ribatejo” do Partido Comunista Português, usando o pseudónimo “Júlio”. Foi libertado do Aljube a 14 de Outubro de 1946 mediante o pagamento de avultada fiança de 30 mil escudos. Ainda participou em diversas iniciativas, nas quais exprimiu as suas preocupações com os problemas do Ribatejo (3), mas a 13 de Janeiro de 1948 foi julgado em Tribunal Plenário e condenado a 10 meses de prisão correccional, que cumpriu no Forte de Peniche, de onde foi libertado a 13 de Julho de 1949.

Em 1950, Humberto Lopes participou como testemunha no julgamento de Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura e José Morgado, membros do Movimento Nacional Democrático. Em 1952, foi preso juntamente com os advogados Lino Lima e Carlos Cal Brandão “por ter requerido, num abaixo-assinado dirigido ao Director dos Serviços Prisionais, a tomada de “medidas adequadas para normalizar a situação existente, procedendo-se a um amplo e rigoroso inquérito”, sobre a greve dos presos na Cadeia de Peniche em Dezembro desse ano (4). [O ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira, acusou os advogados de abusarem da sua profissão para «fins inconfessáveis» e por tentarem injuriar as autoridades]. Libertado de Caxias um mês depois, volta a ser preso em Fevereiro de 1953 e, após um período passado nos cárceres do Aljube e Caxias (chegando a dar entrada no Hospital de S. José), é levado, uma vez mais, a julgamento no Tribunal Plenário, e libertado mediante caução, em 25 de Abril desse ano.

.2. Novamente preso em 13 de Novembro de 1953, passa então temporadas nas cadeias do Aljube, Caxias e Porto, até ser novamente julgado em Tribunal Plenário. Nesse julgamento, com início a 24 de Dezembro de 1953, Arminda Soares é presa «por desobediência» quando estava a assistir, é levada para os calabouços da PSP e julgada no Tribunal da Polícia; e o advogado de HL, Manuel João da Palma Carlos, acaba sendo transferido do banco da defesa para o banco dos réus. [O Tribunal Plenário moveu-lhe um processo e condenou-o sumariamente pela sua actuação no julgamento, considerando injuriosa a afirmação de que os juízes podiam julgar como lhes apetecesse com prova ou sem prova, mas tinham que registar em acta tudo quanto se passava na audiência]. O incidente teve dimensão internacional e recebeu manifestações de solidariedade na oposição democrática. O julgamento deste processo estende-se até 1955 e HL é absolvido e libertado no dia 25 de Março de 1955. Humberto Lopes havia sido sistematicamente castigado pela direcção da cadeia/PIDE, em 1953 e 1954, com punição de vários períodos de isolamento em “celas disciplinares”, por se recusar a prestar declarações sobre “factos ocorridos na sala onde se encontrava detido”, por escrever frases “desprimorosas” em cartas dirigidas ao director da cadeia, ou por revelar “espírito de rebeldia” e “desobediência”. [Em1954, na prisão de Caxias, HL havia sido alvo de um processo-crime, acusado de fazer parte da “organização prisional” do PCP, juntamente com outros militantes do partido como o cunhado Pedro Soares].

Em Março de 1957, HL foi um dos 72 advogados de Lisboa e do Porto que assinaram uma representação ao ministro da Presidência pedindo um «inquérito à PIDE».

De 1957 a 1960, vai passar sucessivamente pelos tribunais, em diversos processos, nomeadamente acusado de “actividades subversivas” praticadas dentro da própria prisão (5).

Volta a ser preso em Novembro de 1957 e é condenado no Tribunal Plenário de Lisboa a 2 anos e meio de prisão, seguidos de «medidas de segurança» períodos de 6 meses a 3 anos, prorrogáveis. Só foi libertado quase 6 anos depois, em Julho de 1963, mas com residência fixa em Santarém (única comarca em que podia advogar) e a obrigatoriedade de abstenção de qualquer actividade política. Durante o tempo em que esteve preso [acompanhou a fuga de Peniche de Álvaro Cunhal e Pedro Soares, com outros], escreveu vários trabalhos de carácter jurídico, alguns dos quais foram distinguidos com o Prémio Alves de Sá, da Ordem dos Advogados (em 1959, 1960 e 1961).

3. Em 1969, fez uma comunicação ao II Congresso Republicano de Aveiro, intitulada «Amnistia», na qual pretendia chamar a atenção para a necessidade de pôr termo à existência de presos políticos em Portugal; e apresentou uma tese intitulada «Justiça Republicana».

Em Maio de 1972, foi um dos subscritores de um manifesto intitulado «A Situação Política Portuguesa e o Fracasso do Reformismo», apreendido pela DGS e por isso interrogado.

Em 1973, Humberto Lopes pertenceu à Comissão Nacional do III Congresso da Oposição Democrática (pelo distrito de Santarém) e integrou a Comissão de Desenvolvimento Regional e Administração Local. Nesse ano foi candidato nas eleições para a Assembleia Nacional na lista da CDE, pelo círculo de Santarém.

Defendeu presos políticos no Tribunal Plenário de Lisboa.

Após o 25 de Abril de 1974, para além da sua actividade de advogado, Humberto Lopes foi dirigente do MDP e desempenhou cargos autárquicos e associativos. Integrou uma comissão da Feira do Ribatejo, a Mesa da Misericórdia e da Assembleia Distrital da Misericórdia de Santarém. Foi membro da delegação de Santarém da Ordem dos Advogados entre 1972 e 1974 e deixou vasta colaboração na revista da Ordem dos Advogados e no Jornal do Foro.

Recebeu o “prémio Alves de Sá” por livros jurídicos escritos enquanto se encontrava preso. Foi um colaborador regular do jornal Correio do Ribatejo, desde a década de 40 até ao seu falecimento.

O seu nome faz parte da Toponímia de Santarém (Avenida Dr. Humberto Lopes e Rua Dr. Humberto Lopes).

.Na década de 70, casou em segundas núpcias com Isabel Maria Beja Calado Diniz Lopes. Dessa união nasceram cinco filhos: Judite Isabel, Humberto Joaquim, António José, Rui Guilherme e Pedro Manuel.

Notas:

(1) A partir de 1946, a militância política de Humberto Lopes e do cunhado, Pedro Soares, levou-os várias vezes à prisão e Arminda Soares chegou a visitá-los ao mesmo tempo.

(2) Segundo o historiador João Madeira, no estudo “Os Engenheiros de Almas. O Partido Comunista e os Intelectuais (1996)”.

(3) Em Junho de 1947, no II Congresso do Ribatejo (Santarém) apresentou a tese “As Colectividades Desportivas de um Novo Tipo. Em Outubro desse ano, deslocou-se a Tomar para, no âmbito do mesmo Congresso, apresentar as teses: “O Problema do Analfabetismo”, “O Ensino Agrícola no Ribatejo” e “O Conhecimento da Terra Portuguesa, e em Especial do Ribatejo, através dos Livros Adoptados e dos Programas de Instrução Primário e do Liceu”.

(4) Levados ao Tribunal Plenário de Lisboa em Abril de 1950, foi o julgamento interrompido em consequência da promulgação de uma lei de amnistia.

(5) O que levou o seu advogado, Salgado Zenha, a afirmar que se era tão perigoso na cadeia o melhor seria soltá-lo.

Fontes:

- ANTT, Registo Geral de Presos nº 17 006

- Jornal Correio do Ribatejo, Teresa Lopes Moreira.

- Candidatos da Oposição à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973). Um Dicionário, Mário Matos e Lemos, Luís Reis Torgal, Coordenador, Colecção Parlamento, Edição da Assembleia da República.

- .https://ruascomhistoria.wordpress.com/2019/10/17/humberto-lopes-advogado-e-politico-se-fosse-vivo-faria-hoje-100-anos/

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Biografia da autoria de Helena Pato

Antifascistas da Resistência

Fotografia do espólio pessoal de Judite Lopes, filha de Humberto Lopes. Tirada em 1973, por ocasião do III Congresso da oposição democrática, contém uma relevante dedicatória a Isabel e aos filhos de ambos.

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