Cidadão antifascista, corajoso e dedicado militante do PCP, preso, julgado e condenado em Tribunal Plenário, estava no fim do cumprimento de uma pena de 2 anos e três meses, quando arriscou voltar para a cadeia, ao participar na organização e concretização de uma fuga de sete camaradas da direcção do seu partido. Disse sempre que o que mais lhe custara nessa acção tinham sido os insultos e o desprezo dos seus camaradas, durante meses, pelo facto de aparecer aos seus olhos como um traidor. António Tereso é um caso extraordinário de fidelidade a um ideal.
Até pouco tempo antes de morrer, aos 89 anos, manteve
tarefas de apoio ao PCP.
António Alexandre Tereso nasceu em Alcobaça em 16 de
Novembro de 1927, filho de António Tereso e de Arminda Glória. Começou a
trabalhar em Lisboa, aos 12 anos, como aguadeiro dos calceteiros do Poço do
Bispo. Depois, foi servente de pedreiro, cavou vinha no Cadaval, ceifou trigo
na zona de Lisboa, foi lavador e lubrificador de automóveis, e ingressou na
Carris em 1951, como operário. Na sequência de uma luta de trabalhadores nessa
empresa, foi preso em Fevereiro de 1959 já como motorista, e levado para a
cadeia do Aljube. Dali, enviado para a cadeia de Caxias, onde a partir de Março
ficou a aguardar julgamento, e em Novembro desse ano começou a ser julgado em
Tribunal Plenário. Em Fevereiro de 1960 foi condenado à pena de dois anos e
três meses de prisão, acrescida da «medida de segurança» de seis meses a 3 anos
(prorrogável), além da suspensão de direitos políticos por 15 anos.
Em Setembro de 1960, foi transferido de cela e enviado
para uma outra onde se encontravam os dirigentes do comité central do PCP José
Magro e Afonso Gregório. Foi então abordado por J. Magro, com a proposta de que
simulasse o abandono das suas convicções junto da direcção da cadeia, para
obter assim um tratamento especial da parte da polícia. Foi a custo que aceitou
vestir essa pele, mas fê-lo com o intuito de ajudar na libertação dos seus
camaradas, devolvendo-os à luta. Sucederam-se várias punições por desobediência
ao regulamento da Cadeia, e daí em diante, toda esta combinação iria ser
desconhecida da maior parte dos seus companheiros que, ao ouvirem-no e ao
assistirem aos seus comportamentos, acreditaram na sua traição. Não tardou,
pois, a ser desprezado por todos e ostracizado pela sua companheira. Na sala e
no recreio sucediam-se as cenas de conflitos, com Tereso a provocá-las, para
melhor se afirmar junto da direcção da cadeia, dos guardas e da PIDE. A
simulação era tão perfeita que até do Partido Comunista chegaram ordens para
todas as salas de que não dessem conversa a “rachados”, que não eram pessoas
que merecessem mais do que desprezo.
Quando finalmente, com a estratégia delineada, caiu nas
boas graças do director, António Tereso alcançou a liberdade de movimentos que
iria permitir-lhe preparar uma fuga. Conhecedor de mecânica automóvel, não
tardou a ser-lhe pedido pela direcção da cadeia que arranjasse o
"chrysler" de Salazar, que se encontrava imobilizado na garagem da
prisão. O resto da fuga foi milimetricamente organizado por ambos, José Magro e
António Tereso (1).
Enquanto era constantemente renegado pelos companheiros,
levou a cabo a parte do plano que consistia em pedir ao director da Cadeia de
Caxias um emprego na PIDE como motorista. Ao fim de muita insistência (não foi
imediato), António Tereso conseguiu obter um emprego de motorista no Forte, a
troco de 1500 escudos por mês.
Em Novembro de 1961 iniciou o cumprimento da famigerada
«medida de segurança», a que estava condenado, e a 4 de Dezembro desse ano
ocorre a fuga: António Tereso, o mecânico da prisão de Caxias para os
carcereiros, o traidor e “rachado” para os prisioneiros, irrompeu no carro
blindado de Salazar pelo pátio dentro, arrombou o portão de ferro e pôs-se em
fuga a caminho de Lisboa, levando consigo no Chrysler de Salazar, para fora da
cadeia, sete camaradas que iriam voltar à clandestinidade como funcionários do
PCP.
«O homem que arriscou fingir-se amigo de directores, dos
guardas, da PIDE, que se queixou de ter a barriga cheia de política, que teve
de fingir que virava costas aos amigos, aos comunistas, aos reclusos como ele,
estava a poucos meses de cumprir a pena e sair em liberdade quando aceitou ser
o protagonista de um plano impossível. Se o plano falhasse, já não haveria
regresso a casa» (2).
António Tereso teve, assim, um papel crucial na preparação
e fuga de dirigentes comunistas da Cadeia de Caxias, a 4 de Dezembro de 1961:
acompanharam-no José Magro, Francisco Miguel, Domingos Abrantes, António
Gervásio, Guilherme de Carvalho, Ilídio Esteves, Rolando Verdial.
Depois da fuga, foi colocado pelo PCP no estrangeiro.
Ficou na Checoslováquia até 1969, ano em que foi viver em França. Aí trabalhou
como torneiro mecânico até 25 de Abril de 1974.
Depois do 25 de Abril foi reintegrado na Carris e enquanto
lhe foi fisicamente possível desempenhou sempre tarefas de apoio à direcção do
PCP.
Morreu no dia 7 de Janeiro de 2017.
Notas:
(1) A FUGA no testemunho de António Gervásio, um dos
evadidos:
«Um certo dia soubemos que se encontrava na garagem da
cadeia um «Mercedes» à prova de bala. Esta informação teve uma enorme
importância para se perspectivar a fuga. (…) Era necessário conhecer o estado
do carro, repará-lo, arranjar combustível, fazer ensaios. Colocava-se a
questão: como chegar ao «Mercedes» sem levantar o mínimo de suspeita? (…) No
Forte de Caxias existiam alguns presos com comportamentos fracos que, a troco
de visitas em comum com familiares, apanhar sol, receber comida da família, se
dispunham a fazer alguns serviços da cadeia, como limpezas e outros. A esses
presos, os outros chamavam-lhes «rachados» (uma coisa que não presta). Estudando
esta realidade dos «rachados», a organização do Partido na cadeia avançou com a
ideia de arranjar um «rachado» fingido, um quadro sério, corajoso, capaz de
assumir tarefas difíceis e arriscadas. Essa escolha foi cair no camarada
Tereso, motorista da Carris, com conhecimentos mecânicos e outras capacidades.
(.. .)Levou tempo a ganhá-lo para a tarefa, pois ele não aceitava a ideia de
ser «rachado» mesmo a fingir. Contudo, sendo uma tarefa do Partido, acabou por
aceitá-la. A Pide, desconfiada, demorou tempo a ser convencida. Uma das tarefas
do novo «rachado» era ganhar a confiança dos carcereiros. Começou por arranjar
os carros da cadeia, depois os carros do director do Forte e de alguns Pides. A
sua credibilidade foi crescendo e passado tempos chegou ao célebre «Mercedes».
Estudou-o, foi-o reparando e sacando combustível da cadeia. Com o andar dos
tempos começou a fazer experiências, pequenas manobras no pátio do forte,
ensaios que foram aumentando. Passaram-se vários meses. As andanças do
«Mercedes» eram vistas como normais pela GNR. Os batentes de cimento do portão
do exterior estavam devidamente estudados: não iriam resistir ao embate do
«Mercedes».
A fuga tinha de realizar-se antes das 10 horas da manhã,
porque depois dessa hora chegavam ao portão familiares dos presos para as
visitas. Estavam asseguradas medidas para não haver pessoas atrás do portão e
era rigorosamente necessário que no dia da fuga os carros da cadeia e da Pide,
dentro do forte, estivessem, antes das 9 horas, todos imobilizados, avariados,
para não poderem perseguir os fugitivos – medida que também foi assegurada.
Estava definido quais os oito camaradas que iriam
participar na fuga. A casa da guarda (GNR) ficava no meio do túnel que dava
acesso ao pátio do recreio dos funcionários presos e ao portão do exterior.
Junto à casa da guarda havia um gradão de ferro. Havia comandantes que tinham o
túnel fechado com o gradão durante o dia, outros tinham-no aberto. No dia da
fuga o túnel estava fechado. Algumas semanas antes da fuga, a Pide inventou um
estratagema na escala dos recreios no sentido dos funcionários presos nunca
saberem o dia e a hora certa do recreio, tudo isto com receio de fuga!
Finalmente chegou o dia decisivo.
A 4 de Dezembro de 1961, às nove e pouco da manhã, a Pide
abre-nos a porta para o recreio. Estávamos um pouco tensos. Alguns de nós
pensámos: vamos sair e já não voltaremos!
No recreio iniciámos o nosso jogo tradicional de voleibol
que fazia parte de outra jogada... A GNR, nos taludes, observava-nos. No nosso
meio circulavam carcereiros armados. Poucos minutos depois vemos o «Mercedes»
conduzido por Tereso subindo em marcha atrás o túnel por onde iríamos fugir. O
«Mercedes» chegou até junto de nós. Começámos a «protestar», os guardas muito
atentos, aproximámo-nos do carro cujas portas só estavam encostadas – tudo
aparentemente sereno mas muito rápido. Ouve-se o grito da senha: GOLO! E num
gesto super rápido os oito fugitivos estavam no interior do «Mercedes» que, em
grande velocidade, avança pelo túnel em direcção à liberdade. A sentinela não
teve sequer tempo de fechar o gradão. O «Mercedes» vai direito ao portão
exterior, arranca em primeira, dá uma pancada no portão que salta em pedaços!
Ouvem-se tiros de metralhadora. O «Mercedes» arranca encostado ao talude do
forte. Chovem tiros e ouvem-se as balas a fazerem ricochete no carro. Os
carcereiros correm em busca dos carros da cadeia, mas, para seu azar, nenhum
deles quis mexer-se, estavam todos avariados! Não podiam perseguir os
comunistas fugitivos...
Cerca de 10 minutos depois, os oito fugitivos estavam em
Lisboa. Cada um seguiu o seu rumo a abraçar as novas tarefas do Partido. O
«Mercedes» ficou a descansar na rua Arco do Carvalhão até a Pide o ir
buscar...»
in «O Militante» - N.º 280 Janeiro /Fevereiro 2006
(2) António Tereso, motorista da Carris com conhecimentos
de mecânica iria, com a cumplicidade e a benevolência do director da cadeia e
dos guardas, arranjou o velho carro à prova de bala, (supostamente oferecido
por Hitler ao ditador Salazar) que serviu para a fuga. "Foi com sacrifício
que aceitei a tarefa de ´rachar´. Foi o que mais me custou na vida", disse
o próprio, ao contar como, contactado por José Magro (um dos dirigentes do PCP
evadidos), viveu juntamente com o inimigo durante dezanove meses com vista a
preparar a fuga. [Reportagem de Sílvia Caneco no "Jornal i" ].
Biografia
da autoria de Helena Pato
- Livro “Por teu livre pensamento”, fotografia de João
Carvalho Pina com textos de Rui Galiza.
- Reportagem de Sílvia Caneco em “Jornal i”, a 25 de Abril
de 2015, in http://ionline.sapo.pt/388041
- Biografia Prisional in Presos Políticos no Regime
Fascista, Presidência do Conselho de Ministros/Comissão do Livro Negro, volume
VI (1952-1960), 1988.
- Nota
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