100 anos de militância a caminho do futuro

1921-2021

sábado, 5 de setembro de 2020

ADRIANO CORREIA DE OLIVEIRA (1942-1982)


ADRIANO CORREIA DE OLIVEIRA (1942-1982)

1. Nascido no Porto, a 9 de Abril de 1942, o Adriano morreu cedo de mais: apenas com 40 anos, em Avintes, na mesma localidade que o viu crescer. Mas, se foi breve demais a sua vida, ela foi vivida com grande intensidade, e inesgotável entrega, com grande devoção, aos seus ideais antifascistas.

Em Coimbra, para onde foi estudar Direito, em 1959, deparou imediatamente com uma intensa actividade estudantil e cultural. Ainda «caloiro», iniciou-se no teatro e na música. Com grande sensibilidade para a poesia e para a música popular, dotado de um timbre de voz único e com uma emoção intensa, que colocava em todos os temas que interpretava, iniciou uma carreira musical própria, juntamente com alguns dos compositores e músicos que o acompanharam durante toda a sua vida. Em 1960, grava o seu primeiro disco, com o título "Noite de Coimbra".

É também em Coimbra que toma contacto com o forte movimento antifascista estudantil, ao qual adere desde a primeira hora. Junta-se ao PCP, o seu partido de sempre e para sempre. Na sua música, a sua extrema emotividade está sempre presente, bem como a sua dedicação aos trabalhadores, ao povo, aos ideais da liberdade, da democracia, do socialismo.

Entre 1960 e 1980, grava mais de noventa temas, que constituíram aquela que é uma das mais ricas obras musicais do século XX português. Antes e depois do 25 de Abril percorre o País e o mundo com uma voz carregada de esperança. Entrega-se por inteiro a espectáculos musicais, a sessões e a comícios do seu Partido. Morreu em Avintes, em Outubro de 1982.

[Dados biográficos in http://delta3.no.sapo.pt/biografiaAdriano.html]

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2. (*) «Durante a Resistência, Adriano deu voz ao povo e, acima de tudo, entregou ao povo o seu destino. Cantava em convívios de antifascistas, sempre com um sorriso doce e a generosidade das boas almas. «Venho dizer-vos que não tenho medo». Se calhar tinha. Tínhamos todos.
Conheci o Adriano em Coimbra, por 1963.

 
A ida do CITAC (Grupo de Teatro de Coimbra) a Paris, em 1964, quando me encontrava no exílio, é um marco pessoal inesquecível da minha ligação com Resistência ao fascismo, no interior do País. Em Paris, numa noite fresca – apesar de Agosto – depois do espectáculo, fomos em grupo para junto do Sena, num clima de emoções e solidariedades. Foi aí que ficou inscrita, nas pedras do cais – tenho a certeza – a voz já inconfundível (mas ainda pouco conhecida) do Adriano Correia de Oliveira.

 
Ao alvorecer, ele, com a guitarra colada ao peito e a cabeça inclinada para os céus, tão ao seu jeito, ergueu a sua portentosa voz, projectando-a por cima de um coro de dezenas de exilados e de jovens actores, que cantavam em uníssono a canção de José Afonso:

Ergue-te ó sol de verão! / Somos nós os teus cantores/ Da matinal canção/ouvem-se já os rumores/ ouvem-se já os clamores/ouvem-se já os tambores…

Para mim, era o Adriano, levando-nos a sua esperança e a confiança do Zeca num qualquer Abril.

 
Essa noite, toda a noite, foi feita de ternura, de companheirismo e de cumplicidade. E, como se isso não tivesse bastado para reacender o ânimo dos exilados e nos deixar com um peculiar sabor a pátria, ainda os acompanhámos, já era manhã, à gare de Orléans-Austerlitz. Sem nos lembrarmos das horas dos nossos empregos, sem fome, sem sono, mas com os olhos quase fechados, o corpo pesado e uma dor aguda no peito.
Sucediam-se os abraços e os beijos. Não nos largávamos, e era tão forte a corrente de solidariedade, que, nas janelas entreabertas do Sud Express, as mãos de quem partia e as de quem ficava pareciam coladas. Foi então que um dos elementos do CITAC (vestia capa e batina e misturava restos de bebedeira com muitas lágrimas), perante a preocupação geral com a ausência de um dos rapazes do grupo, gritou sem parar e a plenos pulmões: «Eu já sabia que ele ia ficar, ele fica, ele fica, não o procurem, ele não regressa, ele não quer ir à guerra! Fica por Paris! Tomem conta dele, por cá, amigos!» Ficou: Victor Carvalho. 

 
Noite memorável: não encontro melhor retrato dos amargos tempos do exílio. O Adriano e o CITAC foram a nossa Pátria por umas horas.
Algum tempo depois da gravação, em 1963, do álbum «Trova do Vento que Passa», Adriano Correia de Oliveira comentou: «Foi a partir do acolhimento dessa canção que comecei a sentir que estava do lado justo, do lado antifascista». De facto, durante a Resistência, Adriano deu voz ao povo, aonde estava o povo. Cantava em convívios de anti-fascistas, sempre com um sorriso doce e a generosidade das boas almas.
Depois da Revolução, ouvimos-lhe o canto durante alguns anos, até ao seu fim. Cantou para além da dor. Até ao limite da sua força física. Para além da vida. Fomos cúmplices nos copos, na festa e nas alegrias. Sofremos, com ele, amarguras, desilusões e afectos. No seu último Agosto, por uns dias, partilhou com o meu filho o quarto e o sol da nossa casa na Praia da Rocha.

Há pouco, comovi-me com um poema do Manuel Alegre e veio-me à memória esse Verão com o Adriano:

«Nos seus olhos havia desamparo
e mais que desamparo havia perda
e mais que perda havia um espaço em branco
ou talvez a cor do nada, a cor de quem
está para além da própria dor. Levava
uma menina pela mão
e nos seus olhos então sobre a amargura
de repente havia também ternura».

Pouco depois, em Outubro, a esperada notícia.
«O Adriano morreu, mãe! Porquê?» – Vi os olhos rasos de lágrimas numa criança com 12 anos, que não percebia porquê. Quem lhe tirava para sempre um amigo? A morte saltava-lhe, pela primeira vez, dos textos abstractos dos livros da escola.

«Vim para longe, mas estarei sempre convosco» – sussurra-me agora, nas horas de trevas, calando-me saudades de velha chorincas. E daí, de um lugar de memória a que só raros estão destinados, chega-nos, uma brisa que nos perpassa, neste Abril:

«Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não».

(*) Parte de uma intervenção de Helena Pato, em 2012, na evocação de Adriano Correia de Oliveira, em Mira, que teve lugar por ocasião da inauguração de um memorial a Adriano Correia de Oliveira e a Zeca Afonso.

Pode ler uma biografia do Adriano, muito completa, em: http://nossaradio.blogspot.pt/2007/04/galeria-da-msica-portuguesa-adriano.html

 

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