ADRIANO
CORREIA DE OLIVEIRA (1942-1982)
1. Nascido no Porto, a 9 de Abril de 1942, o Adriano
morreu cedo de mais: apenas com 40 anos, em Avintes, na mesma localidade que o
viu crescer. Mas, se foi breve demais a sua vida, ela foi vivida com grande intensidade,
e inesgotável entrega, com grande devoção, aos seus ideais antifascistas.
Em Coimbra, para onde foi estudar Direito, em 1959,
deparou imediatamente com uma intensa actividade estudantil e cultural. Ainda
«caloiro», iniciou-se no teatro e na música. Com grande sensibilidade para a
poesia e para a música popular, dotado de um timbre de voz único e com uma
emoção intensa, que colocava em todos os temas que interpretava, iniciou uma
carreira musical própria, juntamente com alguns dos compositores e músicos que
o acompanharam durante toda a sua vida. Em 1960, grava o seu primeiro disco,
com o título "Noite de Coimbra".
É também em Coimbra que toma contacto com o forte
movimento antifascista estudantil, ao qual adere desde a primeira hora.
Junta-se ao PCP, o seu partido de sempre e para sempre. Na sua música, a sua
extrema emotividade está sempre presente, bem como a sua dedicação aos
trabalhadores, ao povo, aos ideais da liberdade, da democracia, do socialismo.
Entre 1960 e 1980, grava mais de noventa temas, que
constituíram aquela que é uma das mais ricas obras musicais do século XX
português. Antes e depois do 25 de Abril percorre o País e o mundo com uma voz
carregada de esperança. Entrega-se por inteiro a espectáculos musicais, a
sessões e a comícios do seu Partido. Morreu em Avintes, em Outubro de 1982.
[Dados biográficos in http://delta3.no.sapo.pt/biografiaAdriano.html]
.
2. (*) «Durante a Resistência, Adriano deu voz ao povo e,
acima de tudo, entregou ao povo o seu destino. Cantava em convívios de antifascistas,
sempre com um sorriso doce e a generosidade das boas almas. «Venho dizer-vos
que não tenho medo». Se calhar tinha. Tínhamos todos.
Conheci o Adriano em Coimbra, por 1963.
A ida do CITAC (Grupo de Teatro de Coimbra) a Paris, em
1964, quando me encontrava no exílio, é um marco pessoal inesquecível da minha
ligação com Resistência ao fascismo, no interior do País. Em Paris, numa noite
fresca – apesar de Agosto – depois do espectáculo, fomos em grupo para junto do
Sena, num clima de emoções e solidariedades. Foi aí que ficou inscrita, nas
pedras do cais – tenho a certeza – a voz já inconfundível (mas ainda pouco
conhecida) do Adriano Correia de Oliveira.
Ao alvorecer, ele, com a guitarra colada ao peito e a
cabeça inclinada para os céus, tão ao seu jeito, ergueu a sua portentosa voz,
projectando-a por cima de um coro de dezenas de exilados e de jovens actores,
que cantavam em uníssono a canção de José Afonso:
Ergue-te ó sol de verão! / Somos nós os teus cantores/ Da
matinal canção/ouvem-se já os rumores/ ouvem-se já os clamores/ouvem-se já os
tambores…
Para mim, era o Adriano, levando-nos a sua esperança e a
confiança do Zeca num qualquer Abril.
Essa noite, toda a noite, foi feita de ternura, de
companheirismo e de cumplicidade. E, como se isso não tivesse bastado para
reacender o ânimo dos exilados e nos deixar com um peculiar sabor a pátria,
ainda os acompanhámos, já era manhã, à gare de Orléans-Austerlitz. Sem nos
lembrarmos das horas dos nossos empregos, sem fome, sem sono, mas com os olhos
quase fechados, o corpo pesado e uma dor aguda no peito.
Sucediam-se os abraços e os beijos. Não nos largávamos, e
era tão forte a corrente de solidariedade, que, nas janelas entreabertas do Sud
Express, as mãos de quem partia e as de quem ficava pareciam coladas. Foi então
que um dos elementos do CITAC (vestia capa e batina e misturava restos de
bebedeira com muitas lágrimas), perante a preocupação geral com a ausência de
um dos rapazes do grupo, gritou sem parar e a plenos pulmões: «Eu já sabia que
ele ia ficar, ele fica, ele fica, não o procurem, ele não regressa, ele não
quer ir à guerra! Fica por Paris! Tomem conta dele, por cá, amigos!» Ficou:
Victor Carvalho.
Noite memorável: não encontro melhor retrato dos amargos
tempos do exílio. O Adriano e o CITAC foram a nossa Pátria por umas horas.
Algum tempo depois da gravação, em 1963, do álbum «Trova
do Vento que Passa», Adriano Correia de Oliveira comentou: «Foi a partir do
acolhimento dessa canção que comecei a sentir que estava do lado justo, do lado
antifascista». De facto, durante a Resistência, Adriano deu voz ao povo, aonde
estava o povo. Cantava em convívios de anti-fascistas, sempre com um sorriso doce
e a generosidade das boas almas.
Depois da Revolução, ouvimos-lhe o canto durante alguns
anos, até ao seu fim. Cantou para além da dor. Até ao limite da sua força
física. Para além da vida. Fomos cúmplices nos copos, na festa e nas alegrias.
Sofremos, com ele, amarguras, desilusões e afectos. No seu último Agosto, por
uns dias, partilhou com o meu filho o quarto e o sol da nossa casa na Praia da
Rocha.
Há pouco, comovi-me com um poema do Manuel Alegre e
veio-me à memória esse Verão com o Adriano:
«Nos seus olhos havia desamparo
e mais que desamparo havia perda
e mais que perda havia um espaço em branco
ou talvez a cor do nada, a cor de quem
está para além da própria dor. Levava
uma menina pela mão
e nos seus olhos então sobre a amargura
de repente havia também ternura».
Pouco depois, em Outubro, a esperada notícia.
«O Adriano morreu, mãe! Porquê?» – Vi os olhos rasos de
lágrimas numa criança com 12 anos, que não percebia porquê. Quem lhe tirava
para sempre um amigo? A morte saltava-lhe, pela primeira vez, dos textos
abstractos dos livros da escola.
«Vim para longe, mas estarei sempre convosco» –
sussurra-me agora, nas horas de trevas, calando-me saudades de velha chorincas.
E daí, de um lugar de memória a que só raros estão destinados, chega-nos, uma
brisa que nos perpassa, neste Abril:
«Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não».
(*) Parte de uma intervenção de Helena Pato, em 2012, na
evocação de Adriano Correia de Oliveira, em Mira, que teve lugar por ocasião da
inauguração de um memorial a Adriano Correia de Oliveira e a Zeca Afonso.
Pode ler uma biografia do Adriano, muito completa, em: http://nossaradio.blogspot.pt/2007/04/galeria-da-msica-portuguesa-adriano.html
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